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Uma descomplicação

junho 11, 2015

richard-simonetti-menorBruna cuidava transitoriamente de Júlia, bebê de um ano com graves problemas neurológicos que lhe im­punham extrema debilidade física e mental. A menina viera ter em suas mãos obedecendo àque­las circunstâncias marcantes, inspiradas em insondáveis desígnios divinos…

– Dessas coisas – dizia – que só o Espiritismo expli­ca.

Casada há vinte e cinco anos, tivera apenas um fi­lho, Dácio, de vinte e dois. Nunca cogitara de adotar uma criança. No entanto, desde que a menina fora aban­donada na creche espírita onde trabalhava como vo­luntária, tomara-se de amores por ela.

Não se tratava de nenhuma euforia passageira, o misterioso encanto de cuidar de um bebê, mas algo mais profundo, uma secreta intuição de que era seu pai quem ali estava, de retorno às experiências humanas, sofrendo o resultado de desastroso suicídio.

Alceu, o marido, compartilhava de seus sentimen­tos e concordava que deviam providenciar a adoção. Mas havia o filho. Dácio não desdenhava Júlia e até lhe dispensava alguma atenção. Alma sensível, compadecia-se de sua situação. Mas Bruna o conhecia suficientemen­te para saber que haveria alguma resistência de sua par­te. Decidiu falar-lhe. Poderia dispensar a anuência do filho, porém entendia que semelhante atitude acarreta­ria problemas. O ideal seria uma identidade de propósi­tos entre os membros do grupo familiar. Quando surgiu a oportunidade, envolveu-o, cari­nhosa, num abraço:

– Filhinho, vamos ter uma conversa.

– Lá vem complicação para o meu lado…

– Pelo contrário, acho que é uma descomplicação.

– O que vai sobrar para mim?

– Uma irmã.

– Não me diga que ficou grávida!…

– É a Júlia. Pretendemos adotá-la, se você concor­dar.

Dácio não gostou da proposta. Inspirado no velho egoísmo humano, não aceitava dividir o afeto de seus pais com uma estranha.

– Mas mamãe, trata-se de uma criança muito doen­te. Pense no trabalho que vai dar…

– Não se preocupe. Eu e seu pai cuidaremos dela.

– Por que falou em descomplicação, se vai assumir um grande problema?

– Você sabe que a prática do Bem é a melhor forma de superarmos nossos comprometimentos do passado.

– Sim, mas isso não significa que deva adotar Júlia. Não temos nenhum compromisso com ela.

– Há algo que nunca comentei com você. Creio que Júlia é seu avô de retorno à vida física, colhendo as consequências do suicídio. Temos o dever de ajudá-lo.

– Ora mamãe, isso é apenas uma hipótese. Sempre preocupada com a situação de vovô, qualquer criança de­ficiente que venha às suas mãos parecer-lhe-á que é ele a pedir-lhe ajuda. Além do mais você e o papai não são mais jovens. Trata-se de um encargo pesado e difícil.

– Acha, então, que devemos providenciar a inter­nação de Júlia em um orfanato?

– É o mais sensato.

– Se é essa a sua vontade, assim será feito. Não quero que haja desentendimentos entre nós. Seu bem-estar é muito importante para mim, meu filho. Antes, porém, gostaria de consultar o “Evangelho”, como sempre faze­mos quando buscamos a inspiração do Alto.

– Tudo bem, mamãe.

Bruna entregou ao rapaz um exemplar de “O Evan­gelho Segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec e, após breve oração em que solicitava a inspiração dos bons Espíritos, recomendou ao filho que abrisse o livro ao acaso.

Isto feito, Dácio deparou-se, surpreso, com o título da mensagem: “Os órfãos”, assinada por “Um Espírito Familiar”, recebida em Paris, em 1860. E leu:

“encarnação, caso Meus irmãos, amai os órfãos. Se soubésseis quanto é triste ser só e abandonado, sobretudo na infância! Deus permite que haja órfãos para que lhes sirvamos de pais. Que divina caridade amparar uma pobre criaturinha abandonada, evitar que sofra fome e frio, dirigir-lhe a al­ma, a fim de que não desgarre para o vício! Agrada a Deus quem estende a mão a uma criança abandonada, porque compreende e pratica a sua lei. Ponderai, também, que muitas vezes a criança que socorreis vos foi cara noutra em que, se pudésseis lem­brar-vos, já não estaríeis praticando a caridade, mas cum­prindo um dever…”

Não foi possível prosseguir. Incontida emoção to­mara-lhe a alma sensível, obedecendo a doce envolvi­mento de benfeitores desencarnados. Olhos enevoados de pranto, voz embargada, tomou as mãos de sua mãe, dizendo-lhe:

– Está bem, mamãe. A mensagem é muito clara. Não há o que contestar. Vamos cuidar do vovô.

Nos lances mais significativos da existência, relaciona­dos com a vida familiar, social e profissional, há sempre a pre­sença de amigos espirituais que nos ajudam a decidir da me­lhor forma, em favor de nossa paz.

Para que possam fazê-lo com proveito é imprescindível que criemos as condições necessárias, dispondo-nos a alguns momentos de meditação e prece e à leitura de uma página edificante.

“O Evangelho Segundo o Espiritismo” tem sido um canal precioso usado pelos benfeitores desencarnados em favor daqueles que procuram inspiração em suas páginas, predispondo-os à iniciativa mais acertada no cumprimento de seus deveres.

Se há sombras de dúvidas em nosso caminho, basta olhar para o alto e seremos orientados pelas luzes do Céu.

Richard Simonetti

Nota do editor:
Imagem em destaque disponível em <http://portalmidiaurbana.com/?attachment_id=4953>. Acesso em: 11JUN2015.

Richard Simonetti IN MEMORIAM
Richard Simonetti IN MEMORIAM

Richard Simonetti é de Bauru, Estado de São Paulo. Nasceu em 10 de outubro de 1935 e Desencarnou em 03 de Outubro de 2018. De família espírita, participou do movimento desde os verdes anos, integrado no Centro Espírita Amor e Caridade, onde desenvolveu largo trabalho no campo doutrinário e filantrópico. Orador e Escritor espírita, teve mais de cinquenta obras publicadas.

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