
Jamais bandidos
Em Velho Tema, Vicente de Carvalho (1866-1924) exprime essa arraigada condição humana: a incapacidade de sermos felizes por não valorizarmos o que a vida nos oferece.
Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos,
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim; mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
Onde estivermos, na Terra ou no Além, sustentaremos o céu ou o inferno, construído na intimidade de nosso ser com as ferramentas do cérebro e do coração, tendo por material o que pensamos e sentimos.
Para ingressar na recôndita região de nosso universo interior, onde está o Reino de Deus, é preciso uma senha.
Ser como as crianças – revela Jesus (Lucas,18:15-17). Há algo inerente à natureza infantil que devemos imitar para abrir as portas do paraíso interior. A senha se compõe de duas virtudes.
Pureza. A criança não é maliciosa, não vê o mal no comportamento alheio, não se compraz com a maledicência, não guarda mágoas, desconhece a hipocrisia. É capaz de relacionar-se com qualquer pessoa, independente da cor, raça, nacionalidade, religião, posição social…
Simplicidade. A criança não se sente infeliz por morar em singela cabana. Diverte-se tanto com um pau de vassoura feito cavalo, quanto o faria o menino rico num palácio, movendo-se em patinete motorizada.
Para entrar no Reino de Deus, na intimidade de nós mesmos, é preciso resgatar a criança que fomos, aprisionada na teia das ambições, dos vícios e das mazelas.
Evidentemente, não é fácil. Como diz André Luiz, contra a pálida réstia de luz do presente, simbolizada pelo desejo de melhorar, há montanhas de trevas do passado.
Proclama o apóstolo Paulo (Romanos, 7:19):
O bem que eu quero, não faço.
O mal que não desejo, esse eu faço.
Temos visto esse filme, no desdobrar de múltiplas existências.
Mudam os cenários, mas o enredo é sempre o mesmo:
Começamos a vida como mocinhos, dispostos a mudar o mundo. Terminamos como bandidos, comprometidos por vícios e mazelas.
É preciso produzir um filme diferente, nos estúdios da Vida. Perseverar nos bons propósitos; lutar contra nossas tendências inferiores; conservar fidelidade ao Bem, cultivar ideais que nos permitam sustentar a simplicidade e a pureza dos verdes anos.
Mocinhos, jamais bandidos.
Bem-aventurados, jamais mal amados.
No Céu, ainda que enfrentando as agruras da Terra.
Richard Simonetti
Nota do editor:
Imagem em destaque disponível em <http://www.whattoexpect.com/tools/photolist/dress-up-clothes-your-little-one-will-never-take-off.aspx>. Acesso em: 10SET2015.
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