O século XXI chegou. A lei de talião finalmente se foi?

Rogério Miguez
20/12/2015
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rogerio-miguez-menorNestes tempos de moderni­dade, quando tudo se reno­va e se transforma, hábitos, costumes e conceitos do passado encontram cada vez menos espaço para debates. Há mesmo certa aversão generalizada pelas tradições, práticas e ideias antigas. Tudo tem que ser atual, novo, tecnológico, cabeça aberta para as inovações. Falar de passado é out, in é falar do moderno.

Hoje em dia, de modo geral, não se sabe quem foi este tal de talião. Assim, a primeira informação de interesse para todos nós é que ta­lião não foi uma pessoa, é uma pa­lavra oriunda do latim talionis que significa tal, parelho, de tal tipo,por isso não se escreve com letra capi­tal. Também conhecida por pena de talião, sugere desta forma uma pena ao infrator, semelhante, pare­lha, tal qual o prejuízo daquele que se sentiu prejudicado.

Relacionava-se às questões do delito e de sua correspondente punição. É vista por muitos como cruel e bárbara, extemporânea, mas existia como um preceito mo­ral com aplicação civil. Embora de caráter divino, podia ser e era empregada pelos homens.

Entretanto, esta antiquíssima lei, de quase quatro milênios, con­tinua sendo usada a todo mo­mento, para surpresa e espanto de muitos, sempre que necessário, sob certas condições, é verdade. En­tretanto, agora não deveria mais ser aplicada pelos homens.

Diz a nossa História que esta máxima já constava de um antigo código de leis, elaborado na Me­sopotâmia, no reino da Babilônia, chamado Código de Hamurabi (século XVIII a.C.). É também o conhecido princípio do olho por olho, dente por dente de Moisés, um conceito de fato disciplinador. Há uma discussão na História se Moi-sés teria se inspirado no Código de Hamurabi, ou se propôs esta lei pa­ra o povo judeu espontaneamente, talvez inspirado. Essa questão, no momento, é de pouca relevância para a nossa abordagem. O que nos interessa de imediato, é mos­trar que esta lei ainda existe, deter­minar quem tem autoridade para aplicá-la e em que circunstâncias.

A introdução deste princípio nas leis da Humanidade visou estabe­lecer uma primeira noção de jus­tiça nas relações sociais, visto que, no passado, a cobrança da dívida, fosse ela qual fosse, era desmedida, alcançava o devedor de um modo desproporcional ao prejuízo cau­sado, extrapolava o direito de res­sarcimento da possível perda. Os fortes se sobrepunham aos fracos. Então, em tempos bárbaros, a pro­posta de uma lei que acenasse com visão mais equânime da justiça foi uma dádiva para as sociedades da época, um verdadeiro avanço mo­ral. Tentou equacionar as questões jurídicas, de modo a não incenti­var a vingança, impedindo que o castigo fosse maior que o próprio delito, ou seja, devia-se pagar, mas na mesma moeda.

Os tempos escoaram, e chega à Terra o Espírito puro por excelên­cia: Jesus, o Cristo. O que faz Jesus em relação a esta lei? Derroga-a?

Dita o seu fim? Decreta a sua nuli­dade como lei de Deus? Não, mui­to pelo contrário, ratifica o princí­pio, ao dizer: “Quem com a espa­da fere com a espada será ferido”, naquele inesquecível momento em que, traído, estava para ser apri­sionado, quando Pedro, para de­fendê-lo, desembainha a espada e, com um golpe certeiro, fere Malco, o servo do sumo sacerdote que lá estava para dar cumprimento ao fato que já havia sido predito por Ele mesmo. (Mateus, 26:52.)

É certíssimo que Jesus apresen­tou uma nova e surpreendente pro­posta quando disse:
“Ouvistes que foi dito: Olho por olho e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não re­sistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra; e ao que quiser pleitear contigo e tirar-te a vesti­menta, larga-lhe também a capa; e, se qualquer te obrigar a cami­nhar uma milha, vai com ele duas.” (Mateus, 5:38 a 41.)

Propôs desse modo, uma atitude revolucionária para a época, a qual ainda nos desafia, sugerindo que o ofendido abrisse mão de qualquer represália ou vingança, não pagan­do o mal com o mal, mas apenas com o bem. Realmente, outro avan­ço moral para aqueles Espíritos pou­co acostumados ao perdão. Con­tudo, com a imagem da espada ferin­do aquele que com ela fere, não des­cartou a existência do olho por olho.

Mais uma vez os tempos correm, e chega o momento de uma nova revelação para a Humanidade: o advento da Doutrina dos Espíritos. Visitando apenas as páginas das obras básicas, encontramos várias citações, entre outras, sobre a exis­tência da Lei de talião: O livro dos espíritos, questão 764; O evangelho segundo o espiritismo, cap.VIII, itens 16 e 21; A gênese, cap. XI, item 34; O céu e o inferno, segunda parte, cap.VIII. Exceto O livro dos médiuns, todas as outras obras citam direta­mente a lei, indicando que ela deve estar viva, presente pelo menos até o século XIX, época em que foi con­solidada a Doutrina Espírita. En­tretanto, como a Doutrina veio para ficar conosco, a lei em princípio também deve permanecer.

Seria surpresa encontrar esta lei consagrada nos textos espíri­tas? De modo algum, visto que é o próprio Allan Kardec que, em A gênese, capítulo I, item 56, afirma em mais um momento de extre­ma lucidez espiritual: “A moral que os Espíritos ensi­nam é a do Cristo, pela razão de que não há outra melhor.”

Ora, se Jesus não suprimiu a Lei de talião, o Espiritismo tam­bém não poderia tê-lo feito.

Fechou-se o ciclo de revelações: Moisés, Jesus e o Espiritismo, e em todas as três o mesmo conceito confirmado, a mesma proposta de uma justiça mais “justa”.

Poderia ser diferente? Responde­mos que não! Leis de Deus, como esta, não são de curta duração. De­vem viger enquanto o homem não aprende e não entende como se por­tar dentro do organismo social em que vive. Tais leis devem existir en­quanto o Espírito, ainda tímido em seus avanços morais, não aceita os princípios de outra lei divina: a do Amor, princípios estes que existem para serem exercitados continua­mente, sob pena de, não os cum­prindo, ser surpreendido pelo olho por olho. A lei vigora até que nos conscientizemos de que não se pode ferir com a espada impunemente, sem consequências graves para si e para a sua jornada evolutiva.

Conclui-se que a lei existe, mes­mo nos dias atuais, e existirá por muito tempo. Contudo, quem teria o direito moral de aplicá-la? Sería­mos nós, Espíritos ainda em evo­lução? Seriam os Espíritos puros que já fazem a vontade do Pai? Não, nem uns nem outros. Quem aplica a Lei de talião é o próprio Deus, através da reencarnação, por exemplo, pois afinal foi Ele que a formulou. Não é lei humana. Mas, em que condições aplicá-la?

Registrada na literatura univer­sal, particularmente no Novo Testa­mento, há outra lei de Deus que diz: “Mas, sobretudo, tende ardente caridade uns para com os outros, porque a caridade cobrirá a multi­dão de pecados” (I Pedro, 4:8). Fe­chou-se outro ciclo. Deus permitiu que fosse apresentada no passado a sua Lei de talião, permitiu também que os homens a aplicassem, mas no transcorrer do tempo apresen­tou outra lei informando que todo aquele que amar poderá se forrar da aplicação da primeira. Quanta beleza na criação! Advertência e equanimidade na primeira lei, mi­sericórdia e salvação na segunda.

Assim, Pedro, o mesmo que foi advertido de que se ferisse com a espada com a espada seria ferido, registrou em sua epístola este te­souro de ensinamento que foi dei­xado por Jesus em Lucas (7:47).

E aí estão as condições em que sempre se aplicou a Lei de talião. Toda vez que pecamos, e é oportu­no definirmos o pecado na visão es­pírita como toda e qualquer trans­gressão às leis de Deus, e não repa­ramos pelo exercício do Amor os prejuízos causados ao próximo pe­los nossos atos inconsequentes, ain­da nos satisfazendo em continuar ferindo com a espada, Deus, em sua infinita bondade e sabedoria, nos faz passar pela espada, não para nos punir, mas para nos educar e inibir futuros delitos. Mostra que todos somos irmãos e que um irmão não deve ofender outro irmão sem que lhe sejam pedidas contas de seus atos. Pela segunda lei, a do Amor, estas contas podem ser plenamente sanadas, sem que precisemos passar pelo fio da espada. Cabe lembrar que muitos de nós, agora mais conscientes, sinceramente arrepen­didos, solicitamos a pena do olho por olho antes de reencarnar, pro­movendo desta forma, simultanea­mente, a quitação rápida da falta e a aceleração do nosso progresso.

Sim, o século XXI chegou com novas esperanças de um mundo melhor e de uma sociedade mais justa. E, se desejamos este mundo novo de regeneração, lembremo­-nos sempre de Pedro e guardemos igualmente em nossos corações a superior proposta de Jesus, que recomenda retribuir o mal com o bem, perdoando e nada mais, dei­xando que as sábias e educativas Leis de Deus ajam de acordo com o olho por olho onde e quando se fizer necessário e enquanto perdurar a dureza dos nossos corações.

Rogério Miguez

Nota do editor:
Imagem em destaque disponível em <crystalvisionsmeire.blogspot.com>. Acesso em: 20DEZ2015.

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