A difícil linguagem de alguns textos Espíritas

Márcio Costa
04/03/2016
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marcio_costa_150x150A difícil linguagem utilizada em alguns textos espíritas é questão recorrente em reuniões e estudos em muitas casas espíritas. Muitos alegam não conseguir ler os textos e livros devido à complexidade do vocabulário utilizado. Até mesmo em palestras ocorrem situações, nas quais a audiência nitidamente não consegue acompanhar o expositor, deixando-se levar pela irresistível sensação de sono. Situações como esta, infelizmente, levam alguns a se declararem desmotivados pelo estudo de nossa maravilhosa Doutrina Espírita.

Não precisamos nos aprofundar em questões socioliterárias para perceber que os primeiros passos do Espiritismo ocorreram em uma fase histórica na qual a expressão escrita era muito mais formal que a empregada na atualidade. O primeiro livro da Codificação espírita, O livro dos espíritos, foi publicado em 1857. Seguindo-se a este, em 1861, O livro dos médiuns; em 1864, a obra O evangelho segundo o espiritismo; em 1865, O céu e o inferno; e, em 1868, A gênese. Todos lançados na segunda metade de século XIX.

Naturalmente, os textos apresentados nos primeiros livros seguiam, por parte dos encarnados, a expressão escrita vigente no referido período. E no que tange aos desencarnados, alguns Espíritos pertenciam àquela mesma fase histórica, conforme diversos relatos descritos na obra O céu e o inferno, levando-os à mesma verbalização dos encarnados. Outros, todavia, muito mais evoluídos, precisavam lutar com a insuficiência e a imperfeição de nossa linguagem para poderem exprimir todas as ideias intangíveis aos nossos entendimentos e sensações, conforme atesta Allan Kardec no item XIV da Introdução de O livro dos espíritos e em algumas perguntas subsequentes.

No alvorecer do século XX poucas mudanças ocorreram no cenário literário espírita. Continuávamos a receber psicografias de Espíritos contemporâneos ou mais evoluídos, contando com trabalhadores que viviam sob a influência do pré-modernismo e do modernismo na sociedade.

Mas ressalta-se que tais considerações, assim como hoje, não formulavam uma regra geral. Em meio ao rigor da linguagem pautada e falada, já havia escritores que conseguiam desdobrar, de forma clara, os ensinamentos da Codificação. Por exemplo, Cairbar Schutel publicava trabalhos que atingiam com facilidade os leitores, desde a cidade de Matão, em São Paulo, com o jornal O Clarim, até o exterior, com a Revista Internacional de Espiritismo.

No capítulo 15 do livro Conduta espírita, publicado em 1960, André Luiz, pela psicografia de Waldo Vieira, destaca a necessidade de os textos serem escritos com “simplicidade e clareza, concisão e objetividade”. Mas quem conhece a obra deste autor espiritual poderia questionar livros como Evolução em dois mundos, psicografado por Francisco Cândido Xavier dois anos antes, cuja linguagem empregada é muito mais técnica e elaborada. Em verdade, o autor não se contradisse ao escrever dois livros empregando estilos diferenciados.

A Terra é também um planeta escola onde há uma diversidade de classes de Espíritos. Assim como uma boa biblioteca deve possuir livros de maior e de menor complexidade para atender aos diversos gostos e níveis de intelectualidade, o mesmo pode ser observado nas publicações espíritas. Cabe, todavia, àqueles que dispõem de maiores aptidões intelectuais auxiliar o progresso dos menos favorecidos, buscando levar até eles o conhecimento adquirido de forma mais clara e compreensível.

Com a chegada do século XXI, a evolução dos meios de comunicação, a simplificação da linguagem e as novas tecnologias criaram novo cenário para os Espíritos que reencarnam. Muitos que retornam são contemporâneos desta nova era e já nascem acelerando a marcha do progresso, forçando seus pais a lidar mais cedo com as novas linguagens e tecnologias. Esse dinamismo das novas gerações, por vezes, impacta culturalmente a sociedade que passa a se acostumar com os novos padrões linguísticos, aumentando, assim, as dificuldades de aceitação dos modelos anteriores.

Neste momento, podemos substituir as expressões verbais anteriores por outras mais aceitáveis à realidade atual, desde que mantenhamos fielmente o caráter sublime e os fundamentos da Codificação do Espiritismo. Esta é a tarefa e a responsabilidade dos novos evangelizadores, expositores e escritores espíritas. Devemos recorrer a eles, quando as frases e palavras passarem pelos nossos olhos e ouvidos longe da beleza da compreensão.

Mas, se mesmo diante de nossas dúvidas, alguns destes nossos irmãos não se mostrarem pacientes ou tolerantes, sejamos indulgentes e busquemos aqueles que possam nos ajudar. Que o posicionamento indesejável de alguns não seja o impulso para a nossa desmotivação, mas sim que alimente o nosso ânimo para buscarmos cada vez mais entender os conceitos do Consolador Prometido.

Lembremo-nos sempre de que quanto maior é o esforço, maior será o nosso mérito. E nunca será tarde para começar. O hábito da leitura e do entendimento assemelha-se a uma luz acesa sob véus. Quanto mais distantes estivermos desta luz, menor capacidade teremos para perceber sua beleza infinita. Aproximando-nos e retirando os véus, gradativamente sentiremos toda a sua luminosidade e envolvimento.

Façamos isso com a Doutrina Espírita. Se os véus de nossa incompreensão não nos permitirem sentir a sua luz, nos esforcemos no seu estudo e entendimento.

Busquemos as sublimes palavras do divino Mestre Jesus em O evangelho segundo o espiritismo, nas obras de Cairbar Schutel, do Espírito Humberto de Campos e de tantos outros autores, encarnados ou não, cuja clareza de seus textos nos auxilia o entendimento.

Busquemos, ainda, a compreensão dos conceitos espíritas com amigos, conhecedores da Doutrina, que estão dispostos a nos ensinar sob a caridade de um sorriso e da contínua paciência.

E se ainda assim persistirem nossas dúvidas, deixemos a erudição dos textos mais complexos, e busquemos apoio na leveza de pequenas frases e textos claros à nossa percepção. Neles estará evidenciado que a maior de todas as palavras é o Amor.

Esforcemo-nos para progredir. “Nascer, morrer, renascer ainda e PROGREDIR SEMPRE, tal é a lei”.

Márcio Martins da Silva Costa

Referências:
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. imp. (Edição histórica bilíngue.) Brasília: FEB, 2014. Introdução ao estudo da doutrina espírita, p. 60-61; q. 10-a, entre outras.
____. Obras póstumas. Trad. Guillon Ribeiro. 2. ed. bolso. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. pt. 1, cap. As aristocracias, p. 251.
VIEIRA, Waldo. Conduta espírita. Pelo Espírito André Luiz. 32. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2014. cap. Na tribuna e Na imprensa, respectivamente p. 49 e 51.
XAVIER, Francisco C. Evolução em dois mundos. Pelo Espírito André Luiz. 27. ed. 2. imp. Brasília: FEB, 2014. Toda a obra.

Nota do autor:
Texto publicado na Revista Reformador, Federação Espírita Brasileira – FEB, Ano 134, Nº 2.243, em fevereiro de 2016, Pág. 58-59.

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