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Liberdade com Responsabilidade

junho 11, 2016

marcus-de-marioA humanidade continua às voltas com os chamados atentados terroristas, os quais possuem diversas causas, diversas motivações, caracterizando-se todos pelo pensamento radical que culmina num ato de agressão contra instituições e vidas humanas, muitas vezes praticados com insensibilidade e extrema violência, chocando a opinião pública e provocando a retaliação, infelizmente muitas vezes igualmente violenta por parte das nações atingidas. Entre esses atentados, comoveu o mundo aquele acontecido na França, quando homens armados assassinaram diversos jornalistas e cartunistas do jornal Charlie Hebdo, provocando uma onda de protestos pelo direito da liberdade de expressão.

O referido jornal é conhecido por publicar charges humorísticas e fazer críticas mordazes à política e à religião, tendo em sua história vários episódios de ameaças terroristas, chegando mesmo alguns de seus membros a receber proteção policial, o que não evitou a tragédia. Entre as suas preferências, o conselho editorial do referido jornal parece ter uma fixação com o Islamismo, por várias vezes publicando charges maliciosas, irreverentes com relação ao profeta Maomé e seus seguidores, os quais merecem todo o respeito. Acontece que a crença islâmica proíbe a reprodução de imagens do profeta, o que o jornal desrespeitou várias vezes, além de ter utilizado de ironia, o que provocou a ira daqueles que interpretam o Alcorão de forma fundamentalista. Naturalmente nada justifica o hediondo crime do ato terrorista, mas temos que reconhecer que a tão defendida liberdade de expressão teve um peso provocativo no acontecimento.

As manifestações políticas e populares que preencheram as ruas de Paris e outras cidades, tanto pela França quanto pelo mundo, evocaram, insistentemente, o direito à liberdade de expressão da mídia e o lema liberdade, igualdade, fraternidade, cunhado pelos revolucionários franceses em 1789 quando da derrubada da monarquia absolutista e o advento da república democrática. Entretanto, esse grito que ecoou pelo mundo não foi bem avaliado pelos seus protagonistas, pois o lema que até hoje provoca o ser humano para a justiça social e a paz de convivência, possui três palavras que se complementam que interagem entre si nos seus significados, e das quais temos que destacar a fraternidade.

O pensamento do codificador

Sem a fraternidade fica impossível existir a igualdade, e é com a fraternidade que entendemos que a liberdade deve ser séria, ou seja, deve ser responsável. Esse é o entendimento de Allan Kardec, em magistral artigo que deixou para ser publicado, e que se encontra no livro Obras Póstumas¹, com o mesmo título do lema revolucionário francês. Para o codificador, fraternidade significa devotamento, abnegação, tolerância, benevolência, indulgência, ou seja, é a caridade por excelência, na aplicação da máxima evangélica “proceder para com os outros como quereríamos que os outros procedessem para conosco”.

Liberdade de expressão que desrespeita o direito do outro, que ofende a crença do outro, é liberdade sem responsabilidade, com consequências funestas mais cedo ou mais tarde, pois não leva em conta a fraternidade, e sem ela justificamos todas as agressões, violências, atos terroristas e guerras, que tanto mal fazem ao mundo.

Em seu texto, Kardec ressalta que “estas três palavras (liberdade, igualdade, fraternidade), constituem, por si sós, o programa de toda uma ordem social que realizaria o mais absoluto progresso da humanidade”. Ainda em seu estudo, destacamos o seguinte trecho, pela sua importância:

“Aqueles três princípios são, (…) solidários entre si e se prestam mútuo apoio; sem a reunião deles o edifício social não estaria completo. O da fraternidade não pode ser praticado em toda a pureza, com exclusão dos dois outros, porquanto, sem a igualdade e a liberdade, não há verdadeira fraternidade. A liberdade sem a fraternidade é rédea solta a todas as más paixões, que desde então ficam sem freio; com a fraternidade, o homem nenhum mau uso faz da sua liberdade: é a ordem; sem a fraternidade, usa da liberdade para dar curso a todas as suas torpezas: é a anarquia, a licença. Por isso é que as nações mais livres se vêm obrigadas a criar restrições à liberdade. A igualdade, sem a fraternidade, conduz aos mesmos resultados, visto que a igualdade reclama a liberdade; sob o pretexto de igualdade, o pequeno rebaixa o grande, para lhe tomar o lugar, e se torna tirano por sua vez; tudo se reduz a um deslocamento do despotismo”.

O olhar histórico-cultural de Kardec assentava sobre o próprio episódio da revolução francesa. Os revolucionários, derrubado o monarca absolutista, déspota, tornaram-se por sua vez tirânicos, instituindo o regime do terror com a malfadada guilhotina a decepar a vida dos desafetos. E assim, em vários outros episódios históricos, assistimos os pequenos derrubando os que estavam no poder e, na sequência, tornando-se tão déspotas, ou piores, que os seus antecessores. Assim aconteceu, por exemplo, na Rússia, que após a revolução comunista conheceu por longo período ditadura militar de triste memória. Esses acontecimentos foram causados pela falta da fraternidade, pelo não reconhecimento que todos somos irmãos, porque filhos de Deus, e que os direitos são iguais.

Combate às chagas morais

Mas como instalar a fraternidade entre os homens? Eis a pergunta que nos remete a encontrar a resposta na filosofia espírita. E essa resposta foi dada pelo renomado educador francês no artigo que tomamos por base para nosso estudo. Diz-nos Kardec:

“Todos vós que sonhais com essa idade do ouro (uma sociedade mais justa) para a humanidade trabalhai, antes de tudo, na construção da base do edifício, sem pensardes em lhe colocar a cúpula; ponde-lhe nas primeiras fiadas a fraternidade na sua mais pura acepção. Mas, para isso, não basta decretá-la e inscreve-la numa bandeira; faz-se mister que ela esteja no coração dos homens e não se muda o coração dos homens por meio de ordenações. Do mesmo modo que para fazer que um campo frutifique, é necessário que se lhe arranquem os pedrouços e os tocos, aqui também é preciso trabalhar sem descanso para extirpar o vírus do orgulho e do egoísmo, pois que aí se encontra a causa de todo o mal, o obstáculo real ao reinado do bem”.

De fato, não serão decretos impostos por quem está no poder que farão com que os homens comecem a ser fraternos. Somente uma bem realizada educação no campo moral poderá fazer com que os homens compreendam a grandiosidade da fraternidade e suas positivas consequências na harmonia geral. Não é tão somente a segurança pública que poderá com eficiência combater o egoísmo e o orgulho, que ainda predominam na maioria dos corações, ocasionando tantos embates terminados em mais sangue derramado e mais ódios cultivados.

O combate aos vícios morais, destacando-se o egoísmo e o orgulho, pela educação, mudará a ordem das coisas e fará com que entendamos que o uso da liberdade deve ser feito com responsabilidade, pois se provocamos, com nossa fala, seja ela escrita, impressa ou verbalizada, o desequilíbrio de alguém, somos também, perante a lei divina, responsáveis pelas consequências. Assim é que a fraternidade será o antídoto eficaz contra a irresponsabilidade, o desrespeito aos direitos dos outros, o fanatismo e todo e qualquer ato contra a vida humana.

Marcus de Mario

Referências Bibliográficas:
1 – Kardec, Allan. Obras Póstumas. FEB: Rio de Janeiro. 1983, 19ª edição.

Nota do Editor:
Imagem em destaque disponível em <http://www.cawdialogos.com.br/wp-content/uploads/2014/06/dialogando2.jpg>. Acesso em 10JUN2016

Marcus de Mario
Marcus de Mario

Escritor, Educador, Consultor e Expositor. Diretor Cultural da Fundação Cristã-Espírita Cultural Paulo de Tarso (Rádio Rio de Janeiro). Diretor do Grupo Espírita Seara de Luz (Rio de Janeiro, RJ). Editor do site Orientação Espírita. Diretor Geral do Instituto Brasileiro de Educação Moral (IBEM).

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