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Disciplina, somente para o quartel?

junho 12, 2016

rogerio-miguez-menorNo início da missão de Chico Xavier, no primeiro encontro com Emmanuel, este lhe deu uma orientação básica para o trabalho que deveria desempenhar (1): “- Está você realmente disposto a trabalhar na mediunidade com o Evangelho de Jesus, perguntou Emmanuel? – Sim, se os bons espíritos não me abandonarem… – respondeu o Médium. – Não será você desamparado, – disse-lhe Emmanuel – mas para isso é preciso que você trabalhe, estude e se esforce no bem. – E o senhor acha que eu estou em condições de aceitar o compromisso? – tornou o Chico. – Perfeitamente, desde que você procure respeitar os três pontos básicos para o serviço… Porque o protetor se calasse o rapaz perguntou: – Qual é o primeiro? A resposta veio firme: – Disciplina. – E o segundo? – Disciplina. – E o terceiro? – Disciplina”.

Sabe-se que Chico Xavier ao desencarnar, deixou uma obra literária psicografada de centenas de livros. O Brasil conhece a dimensão da tarefa desempenhada por ele. Agora nos perguntamos: se Emmanuel recomendou por três vezes a virtude da disciplina a Chico Xavier, Espírito que sabemos já bastante evoluído, será que também precisaríamos de disciplina no desempenho de nossas particulares missões?

Conta-se que durante uma apresentação de reunião pública em casa espírita, o expositor lembrou a disciplina como sendo importante virtude a ser exercitada nos trabalhos da instituição tanto quanto na condução da própria vida. Quase que imediatamente um dos ouvintes emitiu opinião de que centro espírita não é quartel! Conversaram mais um pouco sobre o tema, contudo o participante se mostrou irredutível em sua posição. Ah…, como é bom desfrutar de uma doutrina que incentiva e permite a liberdade de opinião, contudo, recordemos que respeitar o livre arbítrio alheio não quer dizer cooperar com a indisciplina.

Todavia, o que teria levado o participante a esta posição tão extremada, quando se sabe que sem disciplina nada se conquista, nada se consegue em longo prazo?

A literatura espírita é rica em chamamentos ao cultivo desta virtude, veja-se, por exemplo, algumas citações sob diversos aspectos nas referências (2) (3) (4) (5); então qual a razão de tanta resistência por parte do frequentador? Teria ele recebido educação muito repressora por parte de seus pais e agora via na virtude da disciplina algo prejudicial à sua vida? Teria ele talvez incorporado este jeito nosso de viver aqui na Terra do Cruzeiro, onde de modo geral, se presta pouca importância a esta virtude? Afinal, somos bastante indisciplinados no trânsito, no comer, na compra de remédios sem receita, nos atendimentos aos horários dos diversos compromissos da vida…

A disciplina verdadeira não é característica de personalidade que exija invariavelmente rigor, austeridade, sisudez, e nem tampouco é irmã do autoritarismo. Não é incompatível com a alegria e a descontração, nem tampouco com a liberdade de ação. O amor, virtude maior que todos nós buscamos aprender, só será plenamente desenvolvida, com muita disciplina. É claro que o centro espírita não é um quartel, local este onde a ordem e a disciplina, estas duas irmãs, filhas da obediência, assumem traços de maior rigor, pois a organização militar, de um modo geral, assim o exige e impõe.

Podemos imaginar Jesus indisciplinado na vivência de seus postulados de vida? Podemos imaginar Mahatma Gandhi sem disciplina na sua proposta de acabar com o domínio inglês sobre o seu País usando apenas as “armas” da bondade e a prática da não violência? Podemos imaginar Chico Xavier executar a sua grandiosa missão sem disciplina ao comer, ao dormir, ao acordar, no uso equilibrado de seu tempo? Podemos esperar que um centro espírita atenda aos seus propósitos, sem a disciplina do horário, da pontualidade, da constância, da perseverança, da manutenção de suas reuniões, ou de pelo menos parte delas, independentemente de férias ou carnaval, entre outras tantas datas festivas, que nos convidam a fechar as portas da casa?

Nesta hora, em que se fala de disciplina em centro espírita, lembra-se o texto de Allan Kardec contido no capítulo XXIX, item 333, em O Livro dos Médiuns: “A exigência de pontualidade rigorosa é sinal de inferioridade, como tudo o que seja pueril”. Entretanto, não se defende que exista um relógio de precisão, na parede da casa, de modo que a reunião só comece no exato instante em que o ponteiro dos segundos alcance o dos minutos, na hora determinada, e termine igualmente desta forma na hora de encerramento. Isto sim seria pueril. Além disso, observa-se que esta frase foi escrita após Kardec fazer menção a Espíritos de ordem verdadeiramente superior, que não são meticulosos ao extremo, e também que a frase se refere a apenas um dos aspectos na questão da disciplina, quando Kardec aborda a questão da pontualidade em reuniões para evocação de Espíritos.

Lembre-se mais que, de modo geral, as reuniões que ocorrem em um centro, sejam elas quais forem, não são assistidas por Espíritos Superiores propriamente ditos, ou seja, aqueles que pertencem à segunda ordem e segunda classe, a que antecede a dos Espíritos puros, conforme item 111 em O Livro dos Espíritos. Além disso, os Espíritos desencarnados que assistem aos trabalhos não estão a nossa disposição, têm as suas particulares tarefas e ocupações. Ademais, inspecionando um pouco mais o item 333, Allan Kardec diz que há Espíritos que comparecem quando as reuniões se realizam em dias e horas fixos, existindo mesmo aqueles que levam a pontualidade ao excesso, ofendendo-se com um atraso de quinze minutos. Pelo sim, pelo não, no desconhecimento do grau de evolução do Espírito evocado ou antecipadamente aguardado, cremos que o melhor seria ser pontual. Podemos também enxergar esta questão pelo outro lado: Qual seria a razão de cultivarmos a impontualidade? Seria apenas para satisfazer o nosso ego, e podermos dizer que a reunião inicia quando desejamos?

Esta virtude deveria ser exercitada regularmente nos diversos trabalhos da casa. Como entender que um frequentador entre regularmente ao final de exposição pública apenas para tomar passe sem qualquer justificativa! Que exemplo estamos dando e que ideia estará se formando na mente deste assistido sobre o que é uma casa espírita e o que é o Espiritismo? Se o frequentador não entende que o mais importante seria assistir ao estudo, pois este nos esclarece sobre as nossas dificuldades, representa a vara de pescar não é apenas o peixe dado gratuitamente; é nossa obrigação, seria mesmo um dever, orientá-lo sobre a realidade e incentivá-lo a comparecer no horário de início da reunião.

Gostamos de esperar uma pessoa que conosco agendou compromisso e não aparece na hora? Se a resposta for não, então não façamos aos outros – Espíritos desencarnados e encarnados – o que não gostaríamos que nos fosse feito. Ademais, os frequentadores da casa, que também possuem seus afazeres, não ficam satisfeitos sabendo que a reunião não tem hora para começar, tampouco para acabar.

A disciplina deve permanecer intrínseca em nossos atos e pensamentos se desejamos conquistar algo maior e duradouro, ou seja, os tesouros imortais que não são corroídos pela ferrugem nem destruídos pelas traças. Disciplina é virtude, contudo, é vista por muitos como um castigo. Esta virtude se torna pesada, dolorosa, tirânica, pois ainda somos muito imperfeitos, recomendável então que a pratiquemos exaustivamente, para torná-la suave, natural, espontânea. A disciplina visa educar e corrigir as nossas más tendências, por isso, para o iniciante no cultivo desta virtude, lhe parece que está vivendo em uma prisão.

Lembrando as prisões, por paradoxal que parece, a disciplina liberta. Liberta de nossos caprichos, de nossas vaidades, de nosso egoísmo, pois quando mantemos a indisciplina, mesmo cientes que não deveríamos, o que é mais grave, acreditando que esta virtude é para os outros e não para nós mesmos, estamos cedendo aos grilhões de nossos personalismos, portanto aprisionando-nos.

O que é o orai e vigiai, senão uma proposta disciplinadora do Espírito?

Quando em um centro espírita, falar-se da necessidade do cultivo desta virtude, reflitamos um pouco mais, antes de reagir instintivamente de modo contrário. Afinal, o centro espírita não é de fato um quartel material, mas é uma fortaleza espiritual. Fortim este onde aprendemos com a disciplina do amor e da tolerância, através das palestras, dos trabalhos e dos estudos, à luz dos ensinos da Doutrina Espírita, a confeccionar a nossa farda moral; e através das nossas pequenas, constantes e disciplinadas demonstrações de renúncia, humildade e bondade, a nos armarmos das virtudes necessárias e imprescindíveis a quem aspira servir Jesus incondicionalmente. E são exatamente estas duas conquistas: a vestimenta moral e as armas das virtudes, que nos permitirão travar o bom combate apregoado pelo apóstolo Paulo, quando disse: “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé” – 2 Timóteo 4:7.

Rogério Miguez

Referências Bibliográficas:
1 GAMA, Ramiro. Lindos Casos de Chico Xavier. 15. ed. São Paulo: LAKE, 1987. cap. 27.
2 FRANCO, Divaldo Pereira. Messe de Amor. Pelo Espírito de Joanna Ângelis. 8. ed. Salvador, BA: LEAL, 1964. 207 p.
3 _____. Leis Morais da Vida. Pelo Espírito de Joanna Ângelis. 2. ed. Salvador, BA: LEAL, 1976. 183 p.
4 XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo. Estude e Viva. Pelos Espíritos Emmanuel e André Luiz. 12. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1965 231 p.
5 _____. O Espírito da Verdade. Autores Diversos. 4. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1961 236 p.

Originalmente publicado pela Revista Internacional de Espiritismo em março de 2014.

Rogério Miguez
Rogério Miguez

Trabalhador da Doutrina Espírita desde a Mocidade, tendo atuado no estado de Rio de Janeiro em algumas Casas e, atualmente, em São José dos Campos/SP nos Centros Amor e Caridade, Jacob e Divino Mestre. Colabora em Cursos, Exposições, Atendimento Fraterno e Passes, sendo articulista dos periódicos Reformador e Revista Internacional de Espiritismo.

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