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Aflições

fevereiro 5, 2022

Hoje, talvez mais atentos às nossas atitudes e certamente mais conscientes de nossas responsabilidades na roda da vida, entendemos melhor os ensinamentos que pessoas amorosas, preocupadas em nos preparar para as lutas futuras, nos transmitiram. É bem verdade que somente com o correr do tempo e as dificuldades vividas, superadas algumas, esquecidas outras, mas ainda marcadas em nós após tanto tempo, já somos capazes de compreendê-los.

A frase “cada um é responsável pelos seus atos” ainda soa em nossos ouvidos como a nos mostrar que essa é uma verdade inexorável que nos acompanhará sempre, por toda eternidade, pois é intransferível. Hoje, fica claro que se cada um é responsável não só pelos seus atos, mas também por suas palavras e pensamentos – somos escravos daquilo que geramos –, enquanto a criatura humana não modificar seu comportamento e passar a agir com mais caridade, não conseguirá livrar-se das situações aflitivas que lhe norteiam a existência.

Todavia, se é verdadeiro o ensinamento evangélico de nossa infância, não é menos verdadeiro o ensino que adquirimos, nos embates da vida, de que cada um receberá por aquilo que obrou. Neste momento, mister se faz que paremos e reflitamos no que isso verdadeiramente representa para cada um de nós. Colocamo-nos sempre como vítimas de alguém ou de circunstâncias, pois jamais admitiremos que um processo de aflição, qualquer que seja ele, começa em nós e só em nós termina.

Talvez, se pudermos transformar a ideia, que nos parece tão ruim, em imagens de fácil percepção, a apreensão dessa verdade não seria tão angustiante. Vejamos, pois, nessa pequena viagem, até onde pode nossa imaginação caminhar na tentativa de transformar algo impossível – não somos os geradores das nossas aflições, e é nisso que acreditamos –, em algo palpável: se geramos aflições, também podemos gerar tranquilidade, tornando-se esse, a partir de agora, nosso novo enfoque.

Vamos nos imaginar agricultores e recebendo cada qual igual pedaço de terra para ser cultivado. Quem nos doou a terra não determinou o que deveríamos plantar e nem como deveríamos fazê-lo. Deu-nos as ferramentas e permitiu que cada um escolhesse sua semeadura. Impôs somente uma condição, o que nos parece justo diante de tanta generosidade: o resultado dessa colheita seria de total responsabilidade do cultivador.

E nossa pequena história continua quando partimos todos para o trabalho. Na pressa de um plantio mais rápido, para ficarem mais tempo na ociosidade, muitos não adubam a terra adequadamente e escolhem descuidados as sementes a serem plantadas, não se importando muito com a qualidade que possam apresentar. Há urgência em terminar logo o trabalho! Outros, ainda, talvez um pouquinho mais cuidadosos, tratam de preparar a terra para o plantio e semeá-la, mas acreditando que haverá muito tempo até o desabrochar da tenra planta, não cuidam adequadamente da sua lavoura, permitindo que ervas daninhas cresçam e sufoquem a frágil muda no seu nascedouro.

Mas, entre tantos ociosos e desatentos, existem aqueles que pacientemente preparam a terra que irá receber sementes escolhidas com desvelo. Cuidam com zelo daquilo que lhes deu trabalho preparar, pois sabem que existem salteadores de todos os matizes que podem danificar ou destruir sua semeadura, e esses agricultores não querem perder seu trabalho. O tempo é bem precioso e não pode ser desperdiçado.

Como em histórias infantis que guardam na sua essência ensinamentos morais, perguntamos: “De todos esses, quem terá melhor colheita?” É, pois, momento de refletir para sabermos que tipo de cultivadores desejamos ser, e que tipo somos, pois assim somos nós em relação aos nossos sentimentos. Somos os agricultores de existências. As ferramentas, materiais preciosos que relegamos à ociosidade, tantas vezes pela nossa própria inércia, são a nossa inteligência, o entendimento, a vontade, a esperança, a fé e o nosso intransferível e inalienável direito de escolher. As sementes, podemos dizer que são nossos atos e o adubo, certamente, não poderia ser outro senão os nossos sentimentos.

Durante nossas existências plantamos o que vamos colher. Se hoje colhemos aflições não poderemos ter plantado senão angústias e castigos, levando lágrimas e sofrimentos àqueles que um dia cruzaram nosso caminho. A dificuldade material que vivenciamos hoje, certamente é colheita de uma semeadura de desperdícios, de desordens e de falta de limites na satisfação dos nossos desejos. E se nesse momento experimentamos a falta de paz em nossos corações, não podemos ignorar a existência de um plantio de discórdia. Se vivemos guerras internas ou se espalhamos o medo e a dor, não podemos esperar pela paz íntima. Assim também acontece onde a tristeza e o desamor imperam. São eles o resultado do cultivo de mágoas e de ressentimentos que vamos espalhando.

Onde acaba nossa imaginação, começa a nossa certeza. E essa certeza nos mostra claramente que cabe somente a nós modificarmos esse quadro hoje.

Jesus também é semeador e Suas palavras, sementeira fecunda. A parábola evangélica nos lembra de que nossos corações também são terrenos a serem cultivados. E se somos cultivadores relapsos, preguiçosos ou cuidadosos no trato das nossas sementeiras, também assim o seremos com as coisas divinas. Nossos corações poderão ser pedregosos, secos, cheios de espinhos ou solo fértil onde caem as sementes amorosas do Mestre. Mas, mesmo sabendo que muitos ainda não O compreendem, diferentemente dos homens, Ele acredita na capacidade que temos de nos transformarmos e com isso transformar o que estiver ao nosso redor. Por isso nos aguarda.

Ontem semeamos. Hoje, colhemos…

Leda Maria Flaborea

Nota da autora:
Pub. – jornal O Semeador – maio de 2001.

Nota do Editor:
Imagem ilustrativa e em destaque disponível em <https://br.freepik.com/fotos-premium/a-mao-da-crianca-e-do-pai-no-campo-de-trigo_3807513.htm>. Acesso em: 05FEV2022.

Leda Maria Flaborea
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