Religiosidade e fé

Eurípides Alves da Silva
27/07/2023
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No seu livro “The Faith Instinct” (“O Instinto da Fé”, 2009), o escritor britânico Nicholas Wade, jornalista especializado em ciência (autor de várias obras, tendo já atuado como redator e editor da Nature – Science e da seção de ciências do The New York Times), defende a religiosidade como um comportamento universal humano, positivo e moldado pela seleção natural. Segundo ele, toda sociedade humana conhecida não só tem alguma forma de religião como é bastante provável que esse comportamento tenha se desenvolvido a partir da população ancestral, antes de sua dispersão pelas diferentes regiões do globo, há 50 mil anos. A argumentação de Wade é fortemente alicerçada em evidências arqueológicas e sugere que o instinto de fé e o comportamente religioso tornaram-se um atributo determinante e essencial para a sobrevivência dos primeiros agrupamentos e, naturalmente, para o florescimento da espécie humana. De resto, seus achados jogam um pouco mais de luz sobre as pesquisas científicas destinadas a desvendar as origens da ânsia humana pelo sagrado, revelando, de certo modo, alguma coerência com a teoria espírita, sobretudo se relevarmos a compreensível ausência do componente espiritual no desenvolvimento de seu livro.

A verdade é que desde os tempos de seu Codificador (Allan Kardec), o Espiritismo reconhece na instintividade universal da fé e da religiosidade um providencial e poderoso mecanismo emocional de identificação de padrões, regras e consciência de ordem moral, consequentemente de estímulo aos princípios de comportamento que sustentam os alicerces da civilização. De acordo com o “O Evangelho Segundo o Espiritismo” (capítulo XIX), “a fé é o sentimento inato que, mercê da ação e vontade do homem, à medida que se desabrocha e desenvolve, o torna consciente de sua destinação e de suas prodigiosas faculdades, embora, a princípio, em estado latente”. É a esse sentimento, sem dúvida, que Wade se refere.

Aos leitores interessados, afora a profusão de obras espíritas que tratam do tema (a começar pelo pentateuco kardequiano), recomendamos a leitura do livro “Estudos Espíritas” (de Joanna de Ângelis, psicografia de Divaldo Franco), especialmente pela providencialidade das abordagens encontradas nos itens “Deus”, “Fé” e “Moral”. A respeito da Fé, por exemplo, a Veneranda Instrutora Espiritual preceitua com admirável clareza: “A fé é inata em todos os homens, constituindo particular e especial manifestação do ser. Ninguém está isento da sua realidade, porquanto é parte integrante de cada vida. Naturalmente procede da ancestralidade do próprio homem, resultado de experiências objetivas ou não, que se lhe implantaram no inconsciente e cada vez mais se fixa pelo processo automático em que se fundamenta”. Quanto à Moral, enfatiza com igual propriedade: “Sendo o homem um animal em evolução, a disciplina do instinto e o desdobramento dos recursos da inteligência, bem como a necessidade da preservação da vida, impõem, a princípio, a disciplina, depois, a lei e, por fim, a Moral, que se converte em nobilitante comportamento com que se liberta das constrições primitivas e se põe em sintonia com as vibrações sutis de Espiritualidade, para onde ruma na condição de Espírito imortal que é”. Por fim, no item “Deus”, reserva para estudo e meditação a sentença basilar exarada em “A Gênese”, de Allan Kardec: “A existência de Deus é, pois, uma realidade comprovada não só pela revelação, como pela evidência material dos fatos. Os povos selvagens nenhuma revelação tiveram; entretanto, creem instintivamente na existência de um poder sobre-humano. Eles veem coisas que estão acima das possibilidades do homem e deduzem que essas coisas proveem de um ente superior à humanidade. Não demonstram raciocinar com mais lógica do que os que pretendem que tais coisas se fizeram por si mesmas?”.

Antes de encerrar, a pretexto de contornar a sisudez do texto, permitimo-nos rememorar a perspicácia de alguns vultos da história e a originalidade de seus pensamentos e citações, ao abordarem o instigante tema da fé e da religiosidade. Mesmo não ignorando que muitas destas manifestações acabaram alvo de críticas – o que parece natural –, cremos valer a pena a recordá-las, sobretudo pela excelência do raciocínio que encerram.

Quando o extraodinário matemático Leonard Euler (1707-1783) trabalhava na Academia de Ciências de São Petersburgo, Catarina II, conhecendo seu espírito inventivo e paixão pela Bíblia, teria se queixado do filósofo Denis Diderot, também membro da Academia, por ser ateu convicto e viver a fazer prosélitos pela corte. Euler, então, solicitou à czarina que o convidasse para assistir a uma “prova matemática da existência de Deus”! No dia aprazado, com a corte reunida e expectante, Euler escreveu num quadro negro: “Senhor Diderot, (a+bn)/n=x. Portanto Deus existe. Refute!”. Pasmo com a inusitada proposta, Diderot teria ficado estático, enquanto a platéia gargalhava às escâncaras. Humilhado, Diderot teria retornado à França, como era o intento da czarina. (Richard Dawkins, no livro “Deus, um Delírio”, recorre a um artigo de B. H. Brown, publicado no American Mathematical Monthly, para negar o episódio: “Diderot conhecia matemática o bastante para não se render ao truque de Euler…”.)

Citemos, agora, o interessante apelo à religiosidade cristã, conhecido como “A aposta de Pascal”, do célebre matemático, físico e filósofo Blaise Pascal (1623-1662). Dizia ele que podemos ou não acreditar na existência de Deus. Todavia, por mais improvável que seja, afirmava, a melhor aposta é sempre acreditar (não custa lembrar que Pascal e Pierre Fermat (1601-1665) são os criadores da teoria das probabilidades!). O raciocínio de Pascal era o seguinte. Se você acreditar em Deus e estiver certo, ao morrer poderá merecer as glórias do Criador. Se estiver errado, não ganhará nem perderá nada. Mas, se não acreditar em Deus e estiver errado você poderá ser amaldiçoado eternidade afora. Se estiver certo, não fará diferença. Daí, pelo sim, pelo não, a melhor aposta, segundo Pascal, é crer em Deus. Crendo, você tem uma chance de ganhar e nada a perder; descrendo, terá uma chance de perder e nada a ganhar…

Finalizamos lembrando que Epíteto (115-50 a.C.), Santo Agostinho (354-430) e René Descartes (1596-1650) foram outras celebridades interessadas na questão. Epíteto, ao definir a natureza do Criador, dizia com a lógica irrefutável do extraodinário filósofo que foi: “Se eu pudesse defini-la, ou eu seria Deus ou Deus não seria”. (A respeito de Epíteto, pela oportunidade, vale lembrar uma de suas máximas: “É impossível para um homem aprender aquilo que ele acha que já sabe”.) Santo Agostinho, por sua vez, confrontado com a questão, ao valer-se de sua autoridade como um dos mais importantes propagadores do Cristianismo, respondia: “Se não me perguntam quem é Deus, eu sei. Se me perguntam, não sei mais”. (Muitos alegam que Santo Agostinho se referia à “natureza do pensamento”; outros, que a frase seria de São Francisco de Assis.) Descartes, conhecido como o fundador da filosofia moderna, por seu turno costumava asseverar: “O homem, reconhecendo-se imperfeito, não pode ter criado a si mesmo, senão teria se criado perfeito de acordo com a noção da perfeição que tem…”.

Eurípides Alves da Silva

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