
Na Reunião Pública do Centro
Prudêncio caminhava pelas ruas no final de uma tarde de verão, perdido em seus pensamentos. Não concatenava uma ideia com a outra. Anônimo àqueles que lhe cruzavam o caminho, não se dava conta do estado de penúria físico-emocional na qual se encontrava. Em suas telas mentais projetavam-se cenas fragmentadas de abandono, pequenos furtos de alimentos, violência, dor, angústia, sofrimento, e tantas outras que preenchiam um único e imenso vazio da alma.
Ao passar em frente à uma Casa Espírita, sentiu-se movido a olhar para dentro daquele ambiente. Por entre as largas portas abertas, percebeu que algumas pessoas se acomodavam enquanto que uma senhora, ao fundo do salão e de frente para todos, falava ao microfone com uma voz suave e acolhedora, mantendo os olhos fechados. Sem maiores expectativas nos passos que daria adiante, resolveu parar ali mesmo.
Subindo as escadas de acesso ao Centro, passou indiferente pelo sorriso e o bem-vindo isolado da moça que estava sentada à mesa próxima à porta de entrada. Em seguida, cruzou o corredor central com os olhos fixos no palestrante que agora se dirigia ao público após a prece da senhora, sentando-se quase que instintivamente na extremidade da fileira central de cadeiras.
Da mesma forma que na rua, sua presença no salão também passou despercebida pelos presentes que com ele compartilhavam a audiência. Encostado na cadeira como se buscasse reclinar o corpo cansado, mantinha os olhos fixos no orador que falava palavras confusas à sua mente conturbada. Ainda assim, os termos amor e Deus lhe prenderam a atenção.
Em continuidade aos trabalhos, o palestrante seguia o seu roteiro, procurando dirigir-se a todos que ouviam sua explanação. Mas em certo momento, percebeu a maneira profunda com a qual os olhos daquele homem buscavam, consciente ou não, respostas à sua experiência de vida. No entorno de Prudêncio, plasmava-se uma densa e cinzenta psicosfera, da qual alguns focos de luz pareciam refletir sinceras intenções de auto melhoramento. Logo, sem alterar o escopo de sua apresentação, o palestrante seguiu intuições recebidas e mudou o discurso, tentando levar esperança àquele necessitado. Algo precisava ser feito.
Terminada a reunião pública, Prudêncio levantou-se ainda perdido em seus pensamentos e caminhou rapidamente em direção à saída. Não aguardou o passe ou qualquer palavra amiga. Não houve tempo. Simplesmente retornou à sua jornada anônima, sem olhar para trás.
* * *
De acordo com o Espírito André Luiz, O templo é local previamente escolhido para encontro com as Forças Superiores (1). E ele não emprega o termo Centro ou Casa Espírita, mas sim, Templo, o que estende a todas religiões o amparo da espiritualidade aos locais voltados à esperança e à fé. Esta afirmativa, no entanto, e com outras palavras, é bem anterior ao Espiritismo. No Evangelho de Mateus (Mateus 18:20) encontramos a frase onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles. Logo, onde se reúnem encarnados e desencarnados buscando a Deus, certamente haverá uma sublime espiritualidade envolvendo o local.
No caso das reuniões públicas, dezenas de espíritos comparecerem motivados pelo trabalho de acolhimento aos irmãos, na busca de novos conhecimentos, buscando amparo, ou ainda, levados por outros espíritos. Muitas vezes as cadeiras vazias nada significam em razão da grande multidão espiritual que se beneficia com os trabalhos que vão além das simples palavras colocadas pelo palestrante.
Os encarnados também se beneficiam com o envolvimento desta atmosfera consoladora e de paz. A exemplo, alguns que adentram as portas do Centro buscando somente os benefícios do passe, às vezes mal sabem o quanto já estão sendo escutados e acolhidos pelos mentores espirituais do local atentos às nossas mais íntimas súplicas durante a reunião.
Casos a parte, onde a necessidade de apoio mais premente se mostre clara, a espiritualidade em trabalho no templo atua rapidamente, buscando levar o apoio aos mais necessitados, seguindo os desígnios da Providência Divina.
O caso de Prudêncio busca trazer à nossa reflexão como devemos apoiar os encarnados que adentram em nossas Casas Espíritas. Nem sempre aquele que diz o que precisa, ou aquele que busca o atendimento fraterno, é o mais necessitado. O silêncio da voz aliado à muda fala corporal que gritam condições infelizes, pode ser o maior indício de quem realmente precisa ser acolhido.
Certamente a espiritualidade de luz que atua na Casa dispõe de maiores recursos para identificar estes casos. Além disso, muitos cruzam as portas de nossos Centros precisando de apoio, incluindo nós mesmos, o que dificulta saber a quem apoiar e estender as mãos da caridade. Logo, que possamos nós, trabalhadores encarnados, estarmos bem sintonizados com os trabalhadores espirituais antes de iniciar nossas atividades, sejam elas quais forem, para atuar da melhor forma possível em prol daqueles que buscam acolhimento em nossas Casas Espíritas.
Márcio Martins da Silva Costa
Referência:
(1) W. Vieira and A. Luiz, Conduta Espírita, 32a. Brasília (DF): Federação Espírita Brasileira, 2012.
Nota do editor:
Imagem ilustrativa, adaptada e em destaque disponível em <http://usesp.org.br/gestao-de-centro-espirita-nova-turma-tem-inicio-neste-sabado/>. Acesso em 12JAN2017.
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