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Não tenho tempo

janeiro 18, 2017

Otávio não tinha tempo para nada. Casado com uma esposa amorosa e pai de duas lindas crianças, poucas eram as vezes em que dedicava o tempo para elas. Sua família era pequena, mas há tempos não via os pais idosos e nem pensava em falar com o irmão, com o qual nutria um ódio gratuito desde a mocidade.

Sua vida limitava-se a levantar da cama para um demorado chuveiro e um rápido café. Saía para o trabalho sem mesmo se despedir da esposa ou ir ao quarto ver os filhos.

Na labuta diária era impaciente e não tolerava erros dos subordinados. No seu entender, somente ele era capaz de conduzir as atividades de forma eficiente. Todos os demais não passavam de incompetentes ou despreparados.

Saía do trabalho tarde e não tinha pressa de ir para casa. E consequentemente, também não deixava os demais saírem no horário certo. Sempre havia algo a mais para fazer.

Quando retornava ao lar, adentrava as portas como um touro solto na arena, indiferente ao sorriso indulgente da esposa e aos pulos de alegria dos filhos.

Trocava de roupa, demorava-se no banho e, se não ia para o computador, deitava-se na cama por trás de um livro que sempre acabava amassado no sono de seus braços.

Mesmo com um ritmo acelerado de trabalho, Otávio não abria mão de suas atividades físicas. Frequentava academia, corria, nadava e se sentia um jovem de 20 anos, mesmo tendo o dobro da idade. No final de semana só saía com os amigos para falar do trabalho, bebida, mulheres e jogar tênis. Para ele, estava tudo perfeito.

Certo dia, um dos amigos da família, entre um copo de cerveja e outro, argumentou:

– Otávio, meu amigo, sabe o quanto lhe admiro. Mas gostaria de alertá-lo. Você tem uma família muito bonita e poucas vezes o vejo com eles. Você tem brincado com seus filhos? Tem dado atenção à esposa? Foi ver os seus pais? Fez as pazes com seu irmão?

– Obrigado pelo conselho, Alexandre, mas faço o que acho que é suficiente. Eles também têm coisas para fazer. E eu não tenho tempo para isso. Admito sentir falta de brincar de bola com meu filho, curtir momentos com minha filha e jantar com minha esposa. Já meus pais estarão sempre lá e com meu irmão falo depois. Mas não há tempo. Além do mais, estou muito bem e terei muito tempo para dar atenção a eles. Preciso de um tempo para mim agora.

Com um olhar insistente, Alexandre ainda tentou argumentar, mas Otávio não deixou nenhuma oportunidade.

Dias depois Otávio teve que fazer exames de rotina por conta da empresa. E não conseguia crer nos resultados que lhe foram apresentados. Segundo os médicos, um tumor maligno silencioso se espalhava por diversas partes do corpo. Com este diagnóstico crítico, toda a sua vida mudou.

Em menos de um mês já se encontrava internado em um hospital. Nos primeiros dias só pensava em receber a alta para voltar ao trabalho. Mas não tardou a entender que havia poucas esperanças. Passou a pensar então na esposa com quem não lembrava do último carinho trocado; queria brincar com os filhos, mas estes não podiam se alongar na UTI onde estava agora; lembrou dos pais, mas estes não tinham como se locomover até ele pelas dificuldades físicas da idade; e o irmão nem foi vê-lo.

Todo o tempo que tinha passou a ser lamentado em cada momento do tempo que lhe restava. E sem haver mais tempo, desencarnou sem tempo para reparar o tempo perdido.

 *     *     *

Não sabemos até quando poderemos brincar com nossos filhos no chão da sala; abraçar nossa esposa ou esposo preparando o jantar; falar com os nossos pais sentados à varanda; perdoar as divergências com os irmãos; cuidar daqueles que necessitam; tolerar; ensinar; ajudar; e, acima de tudo, amar.  

Também não sabemos quando a Providência Divina poderá conceder, em uma nova encarnação, a maravilhosa oportunidade de estarmos novamente juntos com os irmãos e irmãs com os quais compartilhamos hoje a existência.

Aproveitemos cada momento, cada chegada e cada despedida. Não há tempo a perder.

Márcio Martins da Silva Costa

Nota do editor:
Imagem ilustrativa e em destaque disponível em
<http://www.newsrondonia.com.br/noticias/pesquisa+brasileira+pode+aumentar+longevidade+de+pacientes+com+cancer+de+pulmao/75265>. Acesso em: 16JAN2017.

Márcio Costa
Márcio Costa

Membro do Conselho Editorial da Agenda Espírita Brasil e colaborador do Centro Espírita Seara de Luz, em São José dos Campos - SP, atua na divulgação da Doutrina Espírita escrevendo textos e realizando palestras.

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