930 visualizações

O violeiro e a fé

julho 15, 2019

Um velho cantador de moda de viola, lá pelas bandas de Itu, teve uma súbita inspiração. Num dos versos que ele compunha intrometeu-se uma palavra que ele ainda não usara: a FÉ. Não a simples crença ou a certeza das coisas realizáveis, mas este algo mais que nos impele adiante nos dias escuros, em meio às nossas mais medonhas aflições.

Ele sabia o que eram estas agonias que parecem não ter fim; ele passara dias sem conta a se debater em enorme esforço para salvar-se da morte, que o vinha rodeando antes do tempo marcado.

Nestas horas nós nos apegamos a cada fiapo de esperança, e com estes frágeis fios, somos capazes de tecer uma rede ou uma ponte levadiça que nos permita transpor abismos imensos, desses de causar medo e vertigem.

Minha tia Aninha, que lhe ouviu a toada em primeira mão, quando o visitamos após a cirurgia, bordadeira e tecelã de sonhos e feitos, soube comentar o pequeno trecho, este aí abaixo:

Não era tão somente promessa
a fé que me guiou na noite escura
mas vida renascendo a golpes firmes,
de fé e esperança, na pedra dura

– Há um tempo em que, sem qualquer experiência de vida, a gente acredita que a fé se aciona como a uma varinha mágica… Esperamos o prodígio, o encanto, o acontecimento instantâneo, que vez ou outra, ocorre por conta da necessidade que temos, ainda, de ver para crer. Mas, crescidos e aprimorados nas lutas sem tréguas, somos convidados a seguir adiante, abrindo novos trechos no caminho com as duas mãos e o coração. Na mão direita a fé, que é serviço ativo, foice que abre picada; na esquerda, a esperança que lança luz adiante e no coração o amor à vida e a todos por quem vale a pena vencer cada palmo de terreno conquistado…

– Comadre Aninha, suas palavras muito me confortam – disse o violeiro.

– Deus te deu a oportunidade de um encontro com a Morte em melhores condições, mais adiante, bem se vê! Apesar do descuido com o seu corpo, você tinha boas provisões e soube usá-las no momento certo. Agora é afinar as cordas do coração e seguir firme no restante da jornada…

– Felizmente há muita estrada a percorrer e hei de me cuidar em cada trecho do caminho.

– Isso mesmo, compadre! Mas comemoremos, pois Deus gosta de ver nossos corações cheios de paz e de alegria… O homem, em sua cegueira, é quem se afeiçoa à tristeza e à agonia…

– Rimou, comadre! Deixe eu anotar estes versos, se a senhora me permite.

E assim nasceria mais uma moda de viola, que mais tarde seria cantada na festa da padroeira da cidade.

Aqueles que por lá viveram, naqueles bons tempos, hão de se lembrar disso, como eu agora faço para deixar registrado a quem mais tarde ler estas linhas minhas…

Abel Sidney

Nota do editor:
Imagem ilustrativa e em destaque disponível em < https://www.flickr.com/photos/adarrodrigues/5593082860>. Acesso em: 15JUL19.

Abel Sidney
Abel Sidney

Formado em Ciências Sociais e Administração de Empresas, por longos anos trabalhou como professor. Desenvolveu, em paralelo, um programa de incentivo à leitura e escrita e, em razão disso, tornou-se também editor. Participa do movimento espírita em Porto Velho - RO.

Deixe aqui seu comentário:

Divulgue o cartaz do seu evento espírita.

Clique aqui