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O super jovem

junho 17, 2020

Em relação à geração de jovens atual, a geração “Y”, guardamos uma relação meio contraditória. Por um lado, endeusamos os jovens pelos seus prodígios na informática e pela sua habilidade de transitar no mundo, trazendo em si a geração nova que pelo mito da tecnologia transformará o mundo em um lugar próspero e justo.

Da mesma forma, no mundo louco e perigoso que nos encontramos, onde por força dessa mesma tecnologia não conseguimos nos esconder dos males ocorridos aqui ou na China, tutelamos essa mesma juventude, trocando sua autonomia por conforto, excluindo-os de processos decisórios, das tentativas de fazer e de ser sujeito, restringindo-os ao seu mundo virtual que não conseguimos entender.

Assim, seguimos com jovens que não querem crescer, ampliando os limites superiores e inferiores do que entendemos por juventude. Seguimos, lastreados por adultos de um mundo mais estável, de valorização do consumo, e que não dão espaços para esses jovens, tendo esse mesmo mundo suas referências culturais e sociais ainda lastreadas nas décadas de 70 a 90.

Quadro curioso que tem seus reflexos em diversos campos da vida humana, inclusive no ambiente religioso. A postura de enxergar o super jovem, mas ao mesmo tempo o jovem bibelô, que não pode fazer nada, mas que sabe tudo (ainda que superficialmente), nos leva a inibir o que de mais tenro tem a juventude: a sua capacidade de promover mudanças pelas suas próprias mãos.

A juventude na casa espírita é aquele grupo sonhador, que luta pela sua autonomia, no exercício da construção de espaços, no micro-cosmo que é uma mocidade espírita, que canta, estuda, trabalha, dentro de seu mundo, para se preparar para ser no futuro o agente daquele mundo.

Essa vivência protagonista da juventude, de querer fazer e nesse processo errar e acertar, é o que forja o espírita que aquele adulto será. As práticas na juventude espírita burilam valores, apontam ideais e constroem referências. E para isso, é preciso ousar, é preciso mudar e também aprender, equilibrando a sabedoria da tradição e os benefícios da inovação.

Entretanto, vivemos uma época de inovação da tecnologia, de vivência em mundos virtuais e ainda, de uma geração madura que construiu parte do mundo como é hoje e que pela sua estabilidade, se vê como protetora incondicional da nova geração, impedindo esta de fazer, errar, decidir e sofrer.

Do lado jovem, o consumo e o prazer suplantaram o ideal, substituído pelo desejo de criar uma empresa no fundo de quintal para vender programas inovadores e ganhar muito dinheiro. Os rankings virtuais e o jogo de máscaras fazem da juventude um duelo de subterfúgios, no qual se busca ser jovem cada vez mais cedo e se alimenta uma fobia indescritível do processo de crescimento.

Essa combinação explosiva, obviamente uma generalização que ignora experiências salutares encontradas no mundo concreto, alerta-nos, como membros da geração madura, se estamos realmente incentivando a geração mais nova a crescer. E crescer implica em limites, em desafios e até em lidar com as frustrações. Estaremos realmente preparando esses jovens para serem os trabalhadores de amanhã da casa espírita ou queremos que eles sejam o trabalhador que nós somos?

Essa reflexão é oportuna no nosso movimento. Já não lutamos mais contra o preconceito e para sermos aceitos na sociedade. Já não precisamos de livros impressos para obter o conhecimento espírita. A luta da implantação, da difusão, da relação com as questões sociais, faz-se apagada diante do livro novidade do mês, da palestra show e do show de música espírita. Ficamos pasteurizados em um mundo pasteurizado. E para o jovem, restou reproduzir aquele espaço, sob a tutela vigilante dos mais velhos, em um burocrático arranjo de tarefas no contexto da casa.

Criar, inovar, só no ambiente virtual. Coube a ele esse santuário, onde ele muda de identidade, lança protestos e vive, fugindo das agruras de crescer e enfrentar esse desafio, vivendo a margem do mundo, que o admira, mas o tolhe em suas potencialidades.

A verdade é que os jovens de hoje são tão jovens como nós fomos. Sem tirar nem por. Têm os mesmos sonhos, as mesmas necessidades, a mesma demanda por cavar seu lugar no mundo social, inclusive na casa espírita. Mas, se vêem segregados no gueto virtual, vendo seus sonhos deslocados para desejos individualistas, sem encontrar lugar para o coletivo.

Termino essa reflexão pensando o que queremos do movimento espírita daqui a 20 anos. Ficar se lamentando que o jovem não tenha interesse ou formatá-lo pelo medo de errar são posturas que somente reforçam essa situação. É preciso enxergar o jovem como jovem, e ajudá-lo nesse mundo que é estável, mudando de roupagem, a encontrar o verdadeiro sentido da juventude, em especial no Espiritismo.

Marcus Vinícius de Azevedo Braga

Nota do editor:
Imagem ilustrativa e em destaque disponível em <https://www.febnet.org.br/blog/geral/noticias/conbraje-nacional-reune-jovens-espiritas/>. Acesso em: 17JUN2020.

Marcus Vinicius de Azevedo Braga
Marcus Vinicius de Azevedo Braga

Residindo atualmente na cidade do Rio de Janeiro, espírita desde 1990, atua no movimento espírita na evangelização infantil, sendo também expositor. É colaborador assíduo do jornal Correio Espírita (RJ) e da revista eletrônica O Consolador (Paraná). É autor do livro Alegria de Servir (2001), publicado pela Federação Espírita Brasileira (FEB) e do Livro "Você sabe quem viu Jesus nascer" (2013), editado pela Editora Virtual O Consolador.

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