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Sobre bodes e cabras

agosto 9, 2020

Antigo adágio popular assevera que: “prendo minhas cabras, por que os bodes estão soltos”, referindo-se à necessidade de supervisão da conduta afetiva das jovens do gênero feminino, a despeito da liberdade inerente atribuída ao gênero masculino. Como todo ditado, revela uma sabedoria do senso comum, presente na cultura das comunidades e no cotidiano das ações.

Quando vejo jovens moças acompanhando os pais e esses se orgulhando de dizer que a menina, quase na maioridade, ainda não namorou, estampando na face a tranquilidade da “zona de conforto”, pelo fato de estar protelando problemas e desafios dessa experiência, me preocupo muito. Causa espanto e apreensão essa negação da vivência afetiva, entendida como uma coisa positiva, como se o relacionamento afetivo fosse uma coisa sempre nefasta, que deve ser adiada o máximo possível.

Essa visão dos pais, de que a menina está bem por não ter interesse em relações afetivas, pode trazer prejuízos sérios a formação de sua personalidade, decorrentes da fuga dos conflitos e das experiências naturais da adolescência, por vezes encontrando até na religião um refúgio, como no caso do voto de clausura (1). Preocupa-me muito mais a solidão juvenil.

O isolamento juvenil da vida amorosa diminui aparentemente os riscos e as incertezas da vida, pode prometer curar chagas de dores mal resolvidas e ainda, adiar a luta contra a timidez. Entretanto, ao mesmo tempo, nega a vivência saudável e produtiva de uma relação afetiva, onde se experimenta a dor da saudade, a força da paixão e a confusão do ciúme, tendo a adolescência também esse caráter de “escola dos sentimentos”, preparando para a vida.

A ausência de relacionamentos pode criar jovens amedrontadas, inseguras e frágeis para a vida que se segue, onde se incluirá a inevitável vivência de relacionamentos mais sérios e provavelmente o casamento. Não ver óbices e até exaltar a jovem de uma certa idade que não vivencia o namoro, por mais cômodo que seja para os pais, pode mascarar as frustações de uma mente reprimida, que sofrerá mais a frente, quando a vida a empurrar do galho, tendo que, então, voar sozinha.

Da mesma forma, essa repressão polarizada no polo feminino pode romper o diálogo, criando um reino de mentira, de pessoas de duas caras, apresentando a família uma faceta e ao mundo masculino outra. O diálogo com a família permite repartir dúvidas e fortalecer a visão da jovem, às vezes ingênuas diante das armadilhas da juventude, na divisão de impressões diante dos “cantos de sereia” típicos da idade.

O dito popular citado reforça essa normalidade da pseudo-preservação feminina, que pode representar uma virtude aparente, ocultando um sufocamento do convívio social, privando-a de uma das coisas belas da vida, que é namorar. Essa visão sexista traz embutida uma percepção negativa da afetividade, da relação entre as pessoas, do amor romântico, proscrevendo estas potencialidades naturais do ser humano, sagradas e benditas, como já nos asseverava Chico Xavier no programa “Pinga fogo” (1971), revelando que o problema não está na potencialidade e sim na imperfeição humana.

O complexo, o desafio posto é encontrar o ponto de equilíbrio entre o zelo pela criação da jovem e o medo da vida, associado às questões mal trabalhadas nos corações dos próprios pais. A juventude é um momento de cuidado, crítico para pais e jovens, em que todo o processo de educação, associado à bagagem do espírito, se vê confrontado com o mundo, na formação da personalidade.

Por isso, adiar conflitos não conduz à solução deles, cabendo a orientação e o diálogo, como remédios, em doses homeopáticas, diante das dificuldades inexoráveis na existência do espírito encarnado.

E para os jovens leitores e leitoras, bem como seus pais, concluo a reflexão com um trecho da poesia “Ter ou Não Ter Namorado? Eis a Questão!!!”, de Carlos Drummond de Andrade:

“Quem não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrimas, nuvem, quindim, brisa e filosofia. Paquera, gabiru, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão, é fácil. Mas namorado mesmo, é muito difícil. (…)”

Marcus Vinicius de Azevedo Braga

Referências Bibliográficas:
(1) A palavra clausura vem do verbo “claudo” = fechar, de onde deriva o claustro, que se refere a ideia de um ambiente fechado. O voto de clausura trata de um compromisso de religiosas católicas, tradicionalmente ligadas a Clara de Assis, que se isolam do convívio comum para vivenciar a sua fé.

Nota do autor: imagem ilustrativa disponível em <https://jovensconectados.org.br/com-quem-devo-namorar.html> Acesso em 09AGO2020.

Marcus Vinicius de Azevedo Braga
Marcus Vinicius de Azevedo Braga

Residindo atualmente na cidade do Rio de Janeiro, espírita desde 1990, atua no movimento espírita na evangelização infantil, sendo também expositor. É colaborador assíduo do jornal Correio Espírita (RJ) e da revista eletrônica O Consolador (Paraná). É autor do livro Alegria de Servir (2001), publicado pela Federação Espírita Brasileira (FEB) e do Livro "Você sabe quem viu Jesus nascer" (2013), editado pela Editora Virtual O Consolador.

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