
A felicidade segundo Sanson
Após a publicação – em 18 de abril de 1857 -, de O livro dos espíritos, Allan Kardec compreendeu que a novel Doutrina dos Espíritos necessitava de um local regular que pudesse reunir observações e debates sobre os recém-revelados princípios espíritas.
Seria um local catalizador de relatos dos seguidores, em que se pudessem realizar novas pesquisas sobre os fenômenos mediúnicos, oferecendo aos estrangeiros em visita à Paris, uma oportunidade para receberem informações gerais sobre a Doutrina.
Diante desta percepção, o Mestre funda em 1 de abril de 1858 o primeiro centro espírita da Terra, a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas – SPEE.
A SPEE contou com a colaboração de vários membros filiados, dentre os quais destacamos o Sr. Sanson, desencarnado em 21 de abril de 1862. Para se ter uma ideia do modo como se portou o Sr. Sanson durante sua última existência terrena, logo após a sua desencarnação, um Espírito de nome Georges transmitiu uma comunicação espontânea intitulada “A morte do justo”.
O Sr. Sanson endereçou, ainda em vida, uma carta ao presidente da Sociedade – Allan Kardec -, instruindo-o para que, tão logo desencarnasse, fosse evocado, a fim de fornecer informações, fase por fase, sobre as circunstâncias decorrentes da morte.
E assim se fez. Allan Kardec, evoca-o o mais breve possível, em 23 de abril de 1862, na câmara mortuária em que ainda se achava o corpo, estabelecendo com o Espírito Sanson diálogos memoráveis de vivo interesse a todos.
O Sr. Sanson estava lúcido, mesmo após a sua recém-desencarnação, fato incomum, e mostrava-se muito feliz, mas, por que razões o Sr. Sanson se encontrava tão feliz no momento em que foi evocado? O que teria feito em vida para provocar tal estado de espírito?
As respostas a estas perguntas, fornecida por ele mesmo, sintetizamos assim:
• O Sr. Sanson teve por guias durante a sua existência a caridade e a abnegação. Construiu paulatinamente a tranquilidade de consciência, preparando-se para este momento grave, que todos atravessamos, característica daqueles que sabem se pautar regularmente, ainda em vida, por tão nobres virtudes. Sim, os atos caridosos e as atitudes abnegadas edificam no Espírito condições ímpares de evolução, ajudando-o na passagem para o outro lado da vida e garantindo uma boa recepção por parte dos Espíritos agradecidos, alcançados pelas condutas generosas e caritativas. Certamente estas duas virtudes podem proporcionar uma desencarnação feliz.
• O Sr. Sanson cultivou a fé verdadeira, inabalável, a que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade, fé que pode ser construída pelos ensinamentos e vivência dos postulados espíritas. Quando cuidadosamente plantada em nosso íntimo, na correção dos nossos atos, pensamentos e palavras, a fé dá ao Espírito a necessária fortaleza, sobretudo quando ele percebe ser iminente o seu retorno à Vida Maior. Esta fé também possui a capacidade de trazer tranquilidade mesmo nos momentos mais difíceis. O Sr. Sanson, entre outros ao longo de nossa História, já naquela época detinha esta fé, a certeza na continuidade da vida; portanto, nada temia, nada o abalava, estava convicto de que poderia olhar serenamente todos os que o acompanharam durante o seu anterior regresso à Terra, não havendo razão alguma para se envergonhar da sua conduta.
• O Sr. Sanson tinha pleno e correto entendimento da função de seu corpo físico; sendo assim, não temia o seu esperado desgaste natural. Ao morrer, agradece àquele conjunto de células que, agregadas na forma correta, funcionalmente organizadas, serviram de habitação ao seu Espírito imortal, enquanto esteve na Terra. O Sr. Sanson passou por um ano de cruéis sofrimentos antes de sua morte, mas nada o abalou. Já morto, olha o corpo gasto e regozija-se por este lhe ter servido de instrumento para a depuração de seu Espírito.
• O Sr. Sanson, em função do que foi dito nos itens anteriores, não temia a morte, vendo-a apenas como uma etapa da vida. Considerava uma felicidade morrer, desde que tivesse bem cumprido as provações naturais da existência. Esta forma de entender o processo da vida: nascer, morrer, renascer, está ausente em grande parte da Humanidade, mesmo para aquelas pessoas que se dizem deístas, de todas as religiões, uma vez que, embora creiam em Deus e na imortalidade, surpreendentemente temem a morte, e este sentimento, é um dos fatores infelicitadores da Humanidade. Para os temerosos, dizia Sanson: “[…] coragem e boa vontade! […]”.
• Finalmente, o Sr. Sanson emprestou aos bens materiais a atenção merecida, nem mais, nem menos. Não se apegou a eles e ainda asseverou: “[…] Não se pode gozar muito, sem tirar o bem-estar dos outros e sem fazer moralmente um grande, um imenso mal […]”. Tudo indica ser esta última conduta exatamente a que falta àqueles que desfrutam em demasia das benesses materiais que a Terra oferece, sem se preocuparem com os deserdados, que nada possuem, marginalizados pela sociedade. Se os detentores de fortunas, os que possuem grande parte dos recursos da Terra, conhecessem os ensinamentos transmitidos pelo Sr. Sanson, talvez reconsiderassem a sua maneira de encarar a vida, distribuindo melhor e com critério as riquezas de que dispõem entre os desafortunados do caminho.
Estas sugestões do Sr. Sanson para uma vida feliz servem, igualmente, para uma passagem tranquila rumo ao “reino dos mortos”. Se pudermos aproveitar a experiência desse ilustre homem de bem; se as suas lições de vida puderem nos sensibilizar de modo a seguirmos, ao menos em parte, o que ele viveu, é possível, quando soar a nossa hora e o barqueiro nos assinalar que chegou o momento de atravessarmos o simbólico rio que separa os dois planos da Vida, que possamos escutar, do mais Além, a nosso propósito, alguém que também fale: “Um justo morreu”.
Rogério Miguez
Nota do autor:
(1) Todas as citações e informes sobre o Sr. Sanson foram retiradas da obra O céu e o inferno de Allan Kardec, trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2016, contidas na 2ª pt., cap. 2 – Espíritos felizes.
Nota do editor:
Imagem ilustrativa e em destaque disponível em <https://aventurasnahistoria.uol.com.br/reportagem/allan-kardec-o-espiritismo-no-brasil.phtml >. Acesso em: 03NOV2020.
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