
Desertos
Fui acometido, no início de março último, pela COVID e foi uma experiência que sinto a necessidade de compartilhar.
Forçosamente, por repouso necessário, experenciei momentos de introspecção e reflexão.
Escolhi companhias para isso, foram muitas, mas faz-se necessário destacar duas. A primeira Patrícia, minha companheira há 29 anos que, apesar de também infectada, agigantou-se no papel de enfermeira zelosa e amorosa. Ainda mais amor e gratidão pela sua presença em minha vida.
Mas não escrevo esse texto para, narcisisticamente, chamar a atenção para mim. Chamo a atenção para a segunda principal companhia. E aí trata-se de um conjunto delas, centralizados em uma obra.
Acompanharam-me Saulo, Estevão, Lívia, Gamaliel, Pedro e o universo todo da obra Paulo e Estevão.
Encarei esse período como grande oportunidade para revisitar a obra.
E, muito modestamente, em um dos capítulos me identifiquei com o apóstolo dos gentios.
Após a inesquecível aparição do Jesus às portas de Damasco, Saulo convertido inicia seu apostolado e, diante das primeiras dificuldades, sente falta e vai ao encontro ao mestre Gamaliel já, outrora, convertido a Boa Nova. Reencontro lindo de almas afins. Após conversações e revelações o mestre antigo lhe recomenda um período de trabalho e recolhimento no deserto, algo que o próprio Gamaliel houvera feito um tanto antes.
Pauso aqui para confessar que, desde o início da obra, estranhei essa dúbia relação deles com o deserto. Lugar tão inóspito, com condições tão adversas para a sobrevivência, no entanto, tão buscado, pela cultura da época, como local de recolhimento e meditação.
Voltando ao ponto em que me encontrava, feitos os arranjos, Saulo parte de Palmira, onde se encontrava para uma localidade chamada “oásis de Dã” e lá chegando, viverá apenas na companhia de um casal, também convertidos ao novo Evangelho, Áquila e sua companheira Prisca.
E aí, neste ponto, volto a falar das companhias que escolhemos em determinados momentos da vida. Verdadeiros pontos de virada e transformação que a vida nos impõe. Saulo, no deserto, nas condições extremadas que o ambiente apresentava, primeiro, trabalhava muito e, nos momentos de descanso, junto ao casal de companheiros liam, reliam e refletiam sobre os manuscritos de Levi, verdadeiro bálsamo a curar-lhes as dores do corpo e da alma.
E aqui veio a tal identificação entre eu e Saulo, um instante de verdadeira conexão, como se fosse tudo no mesmo exato momento. Lá estavam eles com os pergaminhos e aqui estava eu com esta inesquecível obra de Emannuel e Francisco Cândido Xavier nas mãos, cada um com a companhia escolhida, eles bebendo da Fonte excelsa e eu aqui aprendendo com o exemplo deles.
Sem me comparar ao apóstolo, mas, naquele momento, também me encontrava no meu deserto particular de medos e incertezas naturais de quem passou e está passando pela experiência com este vírus. A cabecinha nem sempre ajuda, armamos verdadeiras armadilhas e autossabotagens que nos enfraquecem o espírito e, nessa hora, nesse momento, como são importantes as companhias e à luz do Espiritismo, as desencarnadas também.
A fé, ao longo destes anos todos, aprendi como uma construção composta de, basicamente, trabalho, instrução e, dentro do que é possível a cada um de nós, neste estágio de evolução, de humildade.
Também aprendi que a construção do reino de Deus é obra individual no coração de cada um.
Naquele momento do meu deserto pessoal, tudo o que vivi e aprendi foi fundamental para escapar das armadilhas psicológicas. Consegui até encontrar o alicerce deste Reino já no meu coração e com o amparo da fé construída e das companhias escolhidas.
Saulo, transformado ou renovado em Paulo, viveu esta experiência por 3 anos e saiu para uma das missões mais importantes do Cristianismo. Da minha parte ouso dizer que saio dessa com um ou dois cômodos a mais edificados no meu interior.
Eu vivi por apenas três ou quatro semaninhas com um período mais complicado mas, ao fim, tudo deu certo.
Trago essa experiência pessoal apenas para compartilhar com quem lê este texto, que não importa o tamanho do deserto ou tempestade que você esteja atravessando, apegue-se à sua base, Deus e fé, escolha uma boa companhia ou transforme-se nela, e atravesse. Tudo seguirá os desígnios Divinos e, ao fim da travessia, você estará um tanto mais forte.
André Tarifa
Nota do editor:
Imagem ilustrativa e em destaque disponível em <https://pisa.tur.br/pacote/atacama-e-uyuni-experience-2-desertos>. Acesso em: 27JUN2021.
Veja também
Ver mais
O Espiritismo e a música

Efeméride – Nascimento de Amélia Rodrigues
