dentro de nós

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Muitos de nós dentro de nós

setembro 29, 2024

É da lei divina que todos os Espíritos criados por Deus sejam submetidos a múltiplas existências em mundos materiais, de modo a adquirir entendimento dos princípios técnicos ou científicos que nos regem, assim sendo, aumentando a correspondente capacidade intelectiva; bem como desenvolver as muitas virtudes, tão pouco presentes nestes tempos modernos. Este esforço tem por objetivo levá-los à perfeição relativa, meta fatal de todos nós.

Em função das incontáveis experiências adquiridas nessas muitas existências, elaboramos em nossa personalidade e caráter, diversas tendências, boas e más, que nos acompanharão nas reencarnações futuras, se manifestando como inclinações natas, e, desde a infância, muitas desafiando a educação recebida dos pais biológicos.

Esta estrutura de personalidade única, que agora nos caracteriza, fornece a base para que alguns suponham sermos uma multidão de  Espíritos, todos ocupando apenas um corpo físico. Contudo, essa possibilidade não é prevista no ordenamento divino. De fato, há apenas um Espírito, e somente um, vinculado a cada unidade biológica.

Através da observação cuidadosa de nós mesmos concluímos o que fomos. Basta reconhecer uma forte conduta instintiva, não ensinada pelos pais, para ajuizarmos que, em tese, foi desenvolvida no passado.

É por esta razão que se diz que o passado é o nosso maior inimigo, pois foi durante esses milênios, em que estivemos mergulhados na carne, que se formaram algumas incômodas tendências do presente. É por esta razão, também, que muitos dizem: o grande inimigo somos nós mesmos.

Entretanto, por qual razão enfatizamos as más disposições naturais? Não há as boas ou construtivas, aquelas que podem nos enobrecer?

Sim, evidente que existem traços positivos, porém, pelo simples fato de estarmos em um mundo que se caracteriza por ser de provas e expiações, já indica que trazemos um passado marcado por sinais característicos do nosso lado egoístico e orgulhoso, caso contrário, aqui não estaríamos. Essa sombra que, por hora carregamos, foi edificada por atitudes grosseiras e levianas, em nossas etapas anteriores de aprendizado, ao invés de boas índoles.

Sendo assim, precisamos vigiar, atentamente, as nossas particulares reações às diversas situações de vida, analisando, cuidadosamente, a forma como respondemos e agimos aos muitos estímulos do nosso cotidiano. Identificando algo que não nos agrada, iniciar um processo de desconstrução dessa particular faceta de nossa individualidade, substituindo esses hábitos pouco nobres, por outros mais alinhados com os princípios do Criador.

É um trabalho talvez de algumas existências, pois não é fácil desabituar-se de uma conduta enraizada por longo tempo, em tão pouco tempo.

Tomemos um exemplo simples para bem caracterizar esse trabalho pessoal e intransferível: imaginemos, que ao longo de algumas existências anteriores, nos acostumamos a roubar e enganar o próximo, de todas as formas possíveis. Após reencarnarmos, mais uma vez, apesar dos esforços de nossos pais em nos orientar a não tomar o que não nos pertence, desde cedo, no período infantil, poderemos apresentar a tendência de levar para a casa a bonita caneta do amigo de sala de aula, sem a preocupação de que ele ficará triste por ter perdido a sua caneta, talvez por seu inteiro desleixo.

É uma situação que acontece com muitas crianças e que os pais deverão estar atentos para coibi-las, em uma tentativa para que seu filho, no futuro, não enverede por outros caminhos mais perigosos, aceitando ou propondo subornos e propinas, para, por exemplo, facilitar o andamento das coisas, prática tão comum em nossos dias, considerando a falta de moralidade das sociedades modernas.

Quando a criança se tornar adulta terá duas vertentes à pesar: aquela espontânea de continuar a subtrair o que não lhe pertence, conforme as várias modalidades e momentos que a vida apresenta, contrabalanceada pelos ensinos que, possivelmente, seus pais lhe comunicaram, caso tenham estado atentos a estes indesejados traços de personalidade de seus amados filhos.

De modo semelhante funcionam os diversos vícios: preguiça, gula, vaidade, avareza, soberba…

Além da importantíssima educação recebida dos pais, há um outro caminho que também poderá auxiliar, sobremaneira, a melhoria de nossa conduta: observando criteriosamente os exemplos do Cristo, pois Esse perfeito Espírito nos deixou incontáveis modelos de como proceder em sociedade e conosco mesmos. Caso os observemos com atenção e nos disponhamos a repeti-los em nosso cotidiano, rapidamente, poderemos também domar as nossas más inclinações.

No entanto, se julgarmos difícil interpretar os imortais ensinos do Rei dos reis, através da leitura dos registros dos Evangelistas, em o Novo Testamento, o mesmo ato de bondade do Cristo ao vir, pessoalmente, nos visitar na Terra, foi repetido, por meio de Sua autorização, dezoito séculos após a Sua passagem, quando Ele coordenou a vinda do Consolador que Ele prometera à Terra, na figura da Doutrina dos Espíritos, ou seja, o Espiritismo.

Quem materializou esta nova Revelação – a terceira e última que tenhamos conhecimento -, foi o pedagogo Allan Kardec quando, durante o século XIX, sem nenhum recurso tecnológico que hoje conhecemos e que tanto facilita a elaboração e a divulgação das ideias, escreveu algumas dezenas de obras, usando canetas de pena, compondo esta nova Filosofia Espiritualista, que tem por base, no que tange o lado moral e ético, a moral do Meigo Rabi.

Através do estudo meticuloso e atento desses compêndios poderemos entender e aprender sobre nós mesmos, o que nos facilitará, sobremaneira, na identificação dessas muitas personalidades, que se encontram hoje fundidas, constituindo o que somos, atualmente, a nossa individualidade.

É de se observar que o simples fato de identificar vertentes do nosso eu que não nos agradam, solicitando a sua superação imediata, não será um trabalho fácil, pois tendências e condutas natas, solidamente elaboradas através de algumas existências, não se desfazem de imediato. É necessária muita força de vontade, determinação, paciência, constância, para desmontar o que, paulatinamente, elaboramos no passado.

Por essa razão Paulo afirmou (1):

Porque bem sabemos que a lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido sob o pecado. Porque o que faço não o aprovo; pois o que quero isso não faço, mas o que aborreço isso faço. E, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa.

A propósito, Allan Kardec, usando seus sentidos aguçados de pesquisador e professor, na primeira obra fundamental também registrou (2):

O homem sempre poderia vencer suas más tendências mediante seus próprios esforços?

Sim, e, às vezes, com pouco esforço. O que lhe falta é a vontade. Ah! como são poucos os que se esforçam entre vós!

Se assim não fosse, Deus teria criado um mecanismo de evolução desafiador, uma vez que, após o Espírito ter se desviado do trilho divino e, no uso de seu livre-arbítrio, incorporado traços indignos e desonestos ao seu caráter, por força do hábito em praticá-los, teria agora que realizar um esforço hercúleo para se desvencilhar desse seu lado sombrio.

A tarefa é árdua, mas possível, não há dúvida.

Principalmente, quando sabemos que todos nós contamos com um Espírito superior, ao nosso lado, designado por Deus, que não nos abandona, desde o nascimento – o Anjo Guardião -, para nos auxiliar nessa retomada do processo evolutivo, ajudando-nos a abandonar, definitivamente, tudo o que nos desagrada, em termos de vícios e imperfeições.

Enquanto não dominarmos estas tendências negativas, agiremos tais quais irracionais. Por isso, eventualmente, nos expressamos assim: Quando escutei aquilo, virei bicho; Diante do que você me fez, fiquei uma fera; Fulano é sorrateiro como uma serpente; Sua agressividade se assemelha a de um leão. Ou seja, basta que alguém nos fira em qualquer de nossas imperfeições, e são muitas, para esquecermos toda a nossa educação e polidez, voltando a agir tal qual uma fera.

E, de fato, se pudéssemos nos ver nesses momentos de extrema cólera e intemperança, instantes de completo desatino, poderíamos vislumbrar o nosso semblante transtornado, equivalente ao de um animal selvagem.

Uma importantíssima informação que podemos acrescentar neste processo do bom combate, é que, auxiliando, amplificando, fortalecendo as nossas más índoles, existe a Humanidade desencarnada, com os seus vícios, manias, transtornos e desalinhos mentais, buscando, por hora, encarnados similares, para se acoplarem e se satisfazerem, mesmo que tenuemente, com as emanações e vibrações dos ainda desajustados da Terra.

É de se notar que nem tudo trazemos do passado de outras existências. Há, também, na constituição de nossa personalidade, a contribuição da educação que tivemos dos pais, a da sociedade em que participamos, e das experiências que vivenciamos em nosso cotidiano – três contribuições originadas na atual existência.

Destaque-se, por fim, que não há necessidade absoluta de, literalmente, descortinarmos o passado, de modo a viabilizar essa tarefa de autoiluminação pessoal. Enfatizamos que o estudo metódico e sincero dos exemplos do Cristo, em paralelo às explicações fornecidas pelo Espiritismo são suficientes para realizar esta transformação, verdadeira reforma íntima, tão apropriada, nestes turbulentos tempos, que caracterizam o século XXI.

A propósito, André Luiz tem interessantíssimo texto, sob o sugestivo título: Introspecção e reencarnação (3), que merece ser lido e estudado também.

Por outro lado, sabemos que possuímos alguma luz, consequentemente, da mesma forma que precisamos identificar o lado obscuro de nossa personalidade, ao descortinarmos o lado bom, a nossa boa índole, nesse ou naquele campo da vida, fortaleçamo-los, deixando que eles aflorem e cresçam para bem enraizar o que de bom construímos pelos nossos esforços.

Oração e vigilância, a Regra de Ouro, para não nos deixarmos perder em mais esta importante oportunidade de vida, ofertada pelo Amoroso Pai, como já o fizemos algumas vezes no passado.

Prossigamos intimoratos, Jesus nos apoiará nesta empreitada, como sempre O fez.

Rogério Miguez

Referências:
(1) BÍBLIA, N. T. Romanos. Português. O novo testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira,1966. cap. 7, vers. 14 a 16;
(2) KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 3ª ed. Comemorativa do Sesquicentenário. Rio de Janeiro: FEB, 2007. pt. 3, cap. XII, q. 909; e
(3) XAVIER, Francisco Cândido. Sol nas almas. Pelo Espírito André Luiz. Uberaba: Comunhão Espírita Cristã, 1964. cap. 50.

Rogério Miguez
Rogério Miguez

Trabalhador da Doutrina Espírita desde a Mocidade, tendo atuado no estado de Rio de Janeiro em algumas Casas e, atualmente, em São José dos Campos/SP nos Centros Amor e Caridade, Jacob e Divino Mestre. Colabora em Cursos, Exposições, Atendimento Fraterno e Passes, sendo articulista dos periódicos Reformador e Revista Internacional de Espiritismo.

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