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Contradições e seus débitos

setembro 18, 2015

marcio_costa_150x150Justina era uma palestrante de referência no movimento Espírita. Profunda conhecedora da Doutrina, sempre contava com auditórios lotados em todos os lugares onde fazia as suas palestras. Por diversas vezes suas palavras cruzaram fronteiras, tendo em vista o reconhecimento pela sua valorosa oratória.

Certa vez foi convidada a ministrar um de seus estudos em um evento que iria ocorrer em uma grande cidade próxima à capital. Conforme era de se esperar, dentre os diversos palestrantes convidados, todo o destaque da organização foi reservado à Justina, criando grande expectativa nos participantes.

No dia de sua esperada palestra o grande salão estava repleto. Todos aguardavam ansiosos pelo estudo que seria realizado. Após a música de abertura e a prece, Justina dirigiu as primeiras palavras aos presentes. A partir daquele momento, os murmúrios deram lugar exclusivo ao silêncio que exaltava a voz cansada pela idade e firme em conhecimentos. Não havia dúvidas de que seu trabalho era um maravilhoso compartilhamento de uma profunda sabedoria sobre a temática escolhida.

Nos últimos momentos da apresentação, Justina dedicou alguns minutos para falar sobre a tolerância, a complacência, a paciência, a caridade e o amor. Foi encantador. Notadamente muitos se emocionaram com tais palavras.

Logo em seguida a organização do evento abriu um espaço para que perguntas fossem realizadas. E daquele momento em diante, alguns planos mentais tenderam a desequilibrar a harmonia que reinava no ambiente.

A primeira questão fora realizada em baixo tom de voz por uma das pessoas que se encontrava na plateia. Sem entender muito bem, Justina retrucou bem alto na frente de todos:

– Fala mais alto! Não dá para ouvir a sua voz!

Timidamente, a jovem interiorana repetiu a pergunta, porém já esboçando um leve tremor em sua fala diante da inesperada reação da oradora.

– Minha filha! Assim não consigo entender! – reforçou Justina em um tom mais contundente, após a segunda tentativa.

Com o apoio de um dos organizadores, a jovem aumentou o tom da voz e conseguiu fazer-se entender.

Outra pergunta muito bem pautada, porém mal elaborada, foi realizada por um outro senhor. E a resposta de Justina também constrangeu alguns dos presentes:

– Não entendi nada do que você falou! Repita!

As doces palavras entoadas no fechamento da apresentação pareciam ter dado lugar a um tom imperativo inadequado à psicosfera do local. Alguns dos presentes registraram aquele evento como agradável em seus ensinamentos, porém contraditório em seus exemplos. A prece encerrou os trabalhos finais e Justina se encaminhou para o carro que a levaria para o hotel.

* * *

A pequena história ocorre em um ambiente Espírita, mas em quantos outros lugares não ocorrem situações semelhantes? Em outros, podemos encontrar um Diretor de uma entidade em cujo discurso alega a necessidade de se cuidar bem dos seus subordinados, quando ele mesmo não o faz. Profissionais que se projetam em imagens junto à população, mas, quando solicitados, nem saem de suas salas privadas. Pais que exigem de seus filhos que não tenham determinados comportamentos, quando eles são os primeiros a dar estes exemplos. Casais que acreditam enganar seus companheiros ou companheiras com ações externas ao lar, contraditórias ao amor que dizem experimentar no seio familiar. E quantos outros exemplos, guardadas as suas devidas proporções, poderiam ser citados?

No livro “Agenda Cristã”, o Espírito André Luiz, pela psicografia de Chico Xavier, lembra-nos da necessidade de ensinarmos praticando; de não criticarmos ninguém; de atendermos com gentileza; de corrigir com bondade; dentre tantos outros imperativos cristãos que formam a base dos princípios redentores que devemos tentar aplicar em todos os momentos de nossas vidas [1].

Sempre devemos buscar conhecer a nós mesmos, a fim de que saibamos exatamente o que fazemos a cada dia conosco e com o próximo. Para levarmos isto à prática, uma sugestão simples é procurarmos rever todas as nossas ações ao final do dia, avaliando se seríamos capazes de criticá-las se fossem feitas por outros. A nossa consciência não nos deixará enganar [2, No. 919].

No momento em que deixamos o invólucro corporal, todos os nossos mais íntimos pensamentos estarão à mostra aos demais espíritos por meio dos nossos planos mentais. Logo, teríamos condições de olhar aquele irmão que destratamos de alguma forma quando encarnados. Débitos contraídos são males que ocasionamos ao próximo e que serão potenciais causas de nossos sofrimentos na vida espiritual [2, No. 101].

Procuremos sempre evitar contrair novos débitos em cada momento de nossa existência. Uma pequena palavra mal colocada poderá nos impor mais adiante uma culpa na qual somente uma nova oportunidade com aquele irmão poderá nos libertar. Mas como não sabemos o que nos reserva a Providência Divina, quando teremos a oportunidade de estar diante daquele com quem erramos para nos redimir de nossas faltas? O nosso progresso se limita à medida que ainda temos contas a serem pagas.

Evitemos assim contradições para que elas não se tornem débitos. Cair em contradição não é enganar o próximo, mas a si mesmo. “Toda falta cometida, todo mal realizado é uma dívida contraída que deverá ser paga” [3, Ch. VII]. E lembremo-nos das palavras do grande Mestre:

– “Reconciliai-vos o mais depressa possível com o vosso adversário, enquanto estais com ele a caminho, para que ele não vos entregue ao juiz, o juiz não vos entregue ao ministro da justiça e não sejais metido em prisão. – Digo-vos, em verdade, que daí não saireis, enquanto não houverdes pago o último ceitil.” (S. MATEUS, 5:25 e 26.)[4, Ch. X]

Márcio Martins da Silva Costa

 

Referências:
[1]      Pelo Espírito André Luiz, Agenda Cristã, 45a ed. Brasília: Federação Espírita Brasileira, 2014.
[2]      A. Kardec, “O Livro dos Espíritos,” pp. 1–604, 1857.
[3]      A. Kardec, O Céu e o Inferno, 61a ed. Brasília: Federação Espírita Brasileira, 2013.
[4]      A. Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, vol. 25. 1995.

Nota do editor:
Imagem em destaque disponível em < http://espacojovenrudgeramos.blogspot.com.br/2012/09/bem-e-mal.html>. Acesso em: 17SET2015.

Márcio Costa
Márcio Costa

Membro do Conselho Editorial da Agenda Espírita Brasil e colaborador do Centro Espírita Seara de Luz, em São José dos Campos - SP, atua na divulgação da Doutrina Espírita escrevendo textos e realizando palestras.

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