
Eremitas Sociais
Na Idade Média disseminou-se na Europa a ideia de superação do pecado com a renúncia ao convívio social.
Os eremitas (do grego eremia, deserto) escolhiam a solidão dos lugares ermos para cultivar os valores espirituais e vencer as tentações do mundo. Há um problema em semelhante opção: contraria a natureza gregária do Homem.
Oportuno lembrar algumas considerações dos mentores que assistiam a Kardec, nas questões abaixo, de O Livro dos Espíritos:
Questão 769. Concebe-se que, como princípio geral, a vida social esteja na Natureza. Mas, uma vez que também todos os gostos estão na Natureza, por que será condenável o do insulamento absoluto, desde que cause satisfação ao homem?
Resposta: Satisfação egoísta. Também há homens que experimentam satisfação na embriaguez. Merece-te isso aprovação? Não pode agradar a Deus uma vida pela qual o homem se condena a não ser útil a ninguém.Questão 770. Que se deve pensar dos que vivem em absoluta reclusão, fugindo ao pernicioso contato do mundo?
Resposta: Duplo egoísmo.Questão 770-a. Mas, não será meritório esse retraimento se tiver por fim uma expiação, impondo-se aquele que o busca uma privação penosa?
Resposta: Fazer maior soma de bem do que de mal constitui a melhor expiação. Evitando um mal, aquele que por tal motivo se insula cai noutro, pois esquece a lei de amor e de caridade.
Imperioso reconhecer que somos seres eminentemente sociais, criados para a vida social. Nosso próprio desenvolvimento intelectual, espiritual e moral depende desse contato.
O indivíduo que se isola perde o referencial sustentado pela convivência. Não raro, pode adotar comportamento desajustado, marcado por manias e esquisitices. Isto quando não resvala decididamente para perigosas fantasias.
Eremitas, isolados da comunidade, eram tomados por perturbações, dominados por ideias amalucadas. Uma delas, bastante difundida, com muitos adeptos: voltar à Natureza. Para tanto, dispunham-se a pastar nos campos como se fossem bois vestidos de gente. Outros se flagelavam para dominar as tentações da carne. Tais iniciativas, que conduziam à beatificação no pretérito, hoje sinalizariam internação em hospital psiquiátrico.
Na atualidade lidamos com outro tipo de eremitas, bem mais numerosos e problemáticos, compondo vasta parcela da população. São aqueles que participam superficialmente da vida social, apenas para atender à subsistência, sem assumir compromissos e responsabilidades em favor de uma sociedade solidária, capaz de enfrentar e resolver os problemas que a afetam.
Podemos situar a pessoa que vive assim numa categoria especial: eremita urbano. Vive literalmente trancado numa caverna – seu lar. Cerca-se de todo o conforto possível, como quem edifica um oásis solitário em pleno deserto das misérias humanas, alheio às carências alheias. Embora aprazível em princípio, trata-se de situação decididamente indesejável.
Os eremitas do passado, embora equivocados, pretendiam reverenciar o Pai Celeste. Os eremitas da atualidade reverenciam a Mamon, o deus pagão que representa os interesses materiais e as riquezas. Buscam resolver-se. Os outros? Que se danem!
Negando a sua condição de seres sociais, fechados em si mesmos, os eremitas urbanos conseguem, não raro, seus propósitos. Falta-lhes, todavia, o principal: A paz – abençoado tempero da felicidade. Impertinente intranquilidade os incomoda, marcada por desajustes variados.
É natural. Estão fora de ritmo na sinfonia da Vida, distanciados das harmonias interiores que se sustentam, essencialmente, do empenho de servir.
É preciso deixar a ermida doméstica e buscar nossa integração na vida social, participando de movimentos de solidariedade em favor do bem comum.
Nele, como ensinava Jesus, o maior será sempre aquele que mais disposto esteja a servir, furtando-se ao insulamento em eremitérios domésticos.
Richard Simonetti
Nota do Editor:
Imagem em destaque disponível em <http://portalsuaescola.com.br/wp-content/uploads/2016/04/desigualdade-social.jpg>. Acesso em 11FEV2017.
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