Pagar o carnê

Richard Simonetti IN MEMORIAM
13/12/2017
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Certamente você conhece, amigo leitor, a história de Poliana, a jovem orientada pela filosofia do podia ser pior, em livro homônimo de Eleanor H. Porter. Quando menina, desejava ardentemente uma boneca. Sem recursos, o pai fez um pedido a instituição beneficente. Ao chegar um pacote, às vésperas do Natal, mal continha a emoção. Aberto, grande foi sua frustração, porquanto, por engano, remeteram-lhe um par de muletas em lugar da sonhada boneca. Vendo-a desolada e chorosa, o pai convidou:

– Minha querida, vamos fazer o jogo do contente.

– O que é isso, papai?

– É uma brincadeira para você animar-se sempre que algo a aborrecer. Por exemplo: Você tem boa razão para estar triste. Recebeu um par de muletas no lugar da boneca. Mas há razão ainda melhor para ficar feliz.

– Com um par de muletas?!

– Sim. A felicidade de não precisar usá-las.

Interessante esse jogo, amigo leitor. Se estamos tristes por não ter vários pares de calçados, lembremos dos que não têm pés; se nos incomoda o uso de óculos, recordemos os que não enxergam. Se não ganhamos tão bem quanto desejaríamos, evoquemos os desempregados…

A Doutrina Espírita propõe um jogo mais consistente.

Não se trata de buscar consolo em males alheios, mas de compreender que todos os males guardam justa origem. Não houve engano dos poderes que nos governam ao remeter o pacote de nosso destino. Nele está um carnê para pagamento parcelado de nossos débitos cármicos junto à Justiça Divina.

É só quitar com pontualidade as prestações, ao longo da existência, sem birra e sem fuga, cumprindo nossos deveres, e nos habilitaremos a um futuro de bênçãos. Isso sem esquecer que o tempo para pagamento total do carnê, ao longo da existência, equivale à mera fração de segundo no relógio da eternidade.

Nos itens 12 e 13 do capítulo cinco de O Evangelho segundo o Espiritismo Kardec faz oportunos comentários a respeito. Destaco: Por estas palavras: bem-aventurados os aflitos, pois que serão consolados, Jesus aponta a compensação que hão de ter os que sofrem e a resignação que leva o padecente a bendizer do sofrimento, como prelúdio da cura.

Também podem essas palavras ser traduzidas assim: deveis considerar-vos felizes por sofrerdes, visto que as dores deste mundo são o pagamento da dívida que vossas passadas faltas vos fizeram contrair; suportadas pacientemente na Terra, essas dores vos poupam séculos de sofrimentos na vida futura.

Cada vez que reencarnamos, a Justiça Divina nos permite uma composição da dívida, com amplos descontos concedidos pela Divina Misericórdia. Fazem parte do carnê dores e problemas que, de permeio, limitam nosso poder de compra, isto é, cerceiam nossos impulsos inferiores, a fim de que não ampliemos nossos débitos.

O alcoólatra inveterado que cozinhou o fígado e desencarnou prematuramente, suicida inconsciente, reencarna com lesões no fígado e problemas envolvendo o aparelho digestivo.

O problema é que raros cumprem integralmente o planejado e, à maneira do perdulário, comprometem-se em novos débitos:

O amigo da água que passarinho não bebe, contido pelo destrambelho hepático, opta pelas drogas.

Com isso, de existência em existência, o Espírito, ao invés de quitar seus débitos, aproveitando a composição misericordiosa da Justiça Divina, vai se complicando.

– Toma juízo, meu filho – diz o pai ao filho rebelde, comprometido em erros e vícios. É exatamente essa a mensagem que Deus nos passa através do Espiritismo.

– Toma juízo!

O conhecimento espírita nos convida à reflexão, habilitando-nos a quitar o carnê de forma consciente e disciplinada, sem queixas e sem arroubos perdulários que apenas aumentam nosso passivo, na contabilidade do destino.

Richard Simonetti

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