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Pobres e ricos

agosto 1, 2021

Mateus contava seis anos de idade e poucas vezes havia visitado lugares mais simples. Filho de um senhor bem-sucedido de classe média, somente conhecia o conforto de uma vida onde nada lhe faltava. O frio e o calor nunca foram mais fortes que o aconchego de sua casa. Nunca recebeu a visita da fome ou sentiu a falta de uma veste nova. Desde pequeno, somente fora levado a lugares mais refinados pelos pais.

Outro dia, porém, seu pai teve que se deslocar a um órgão público, localizado no acesso a uma estação rodoviária, conhecida na cidade onde moravam pela extrema simplicidade. Tendo buscado Mateus na escola minutos antes, não havia tempo para deixá-lo em casa. Era hora do rush e tinha que levar o garoto junto.

Estacionaram nas proximidades da estação e Mateus saiu sorrindo do carro. Iria a um lugar diferente com o pai. Estava ansioso. Mas logo trocou o sorriso no rosto por olhos arregalados.

Chegando ao local, desceram para um primeiro subsolo por meio de uma escada rolante que não funcionava. Havia muita gente andando de um lado para outro. Por várias vezes esbarraram nele e no pai, em atropelos cruzados da costumeira correria para pegarem a condução. Um tumulto só.

Com olhar mais atento aos transeuntes, o menino percebeu que não havia espaço para roupa nova e limpa. Muitos passavam suados e com a roupa exalando ares da intensa labuta. Outros nem se vestiam direito, sentando-se onde podiam ter mais chance de receber uma esmola sequer.

Mateus já tinha visto e ouvido falar da simplicidade e da pobreza, mas nunca tinha vivenciado um cenário real. Agoniado e apertando cada vez mais as mãos do pai, encheu o patriarca de perguntas. Mas uma chamou a atenção do pai:

– “Por que existem ricos e pobres?”

Sensibilizado com as perguntas, o pai de Mateus parou nesta questão, olhou em volta e por alguns instantes refletiu na educação do menino. Lembrou que nunca tinha apresentado ao filho outras realidades. Sentiu-se culpado, pois havia crescido em um local simples sem comida no prato e sabia o valor da simplicidade que nunca tinha mostrado ao filho.

Abaixando-se ao pequeno, respondeu:

– “Filho, nem todos tem as mesmas possibilidades. Uns tem mais, outros menos. Esforce-se para conquistar os bens materiais necessários, mas não busque os excessos. Teus excessos podem representar a falta para alguém, de acordo com a situação. Muitos aqui matariam a fome com as sobras que costumas deixar no prato. E, acima de tudo, lembre-se que junto a Deus todos aqui são irmãos, independentemente, de serem pobres ou ricos.

* * *

No item 8, do Capítulo XVI – Não se pode servir a Deus e a Mamon, de O Evangelho Segundo o Espiritismo [1], Kardec apresenta a seguinte questão proposta aos Espíritos Superiores:

– “Por que não são igualmente ricos todos os homens? – tendo como resposta:

– “Não o são por uma razão muito simples: por não serem igualmente inteligentes, ativos e laboriosos para adquirir, nem sóbrios e previdentes para conservar.”

De fato, com base na observação e na lógica, a colocação é plena de razão.

Consideremos que a população mundial, atualmente, é de aproximadamente 7,9 bilhões de habitantes [2]. Consideremos, ainda, que se somássemos todos os recursos do mundo a cifra alcançaria o incrível valor de cerca de U$ 1,2 quatrilhões de dólares [3]. Se houvesse a possibilidade de dividir todo este montante igualmente entre os homens, cada um receberia cerca de U$ 150 mil dólares, ou cerca de R$ 750 mil reais. Para aquele que muito possui, o valor é insignificante. Para aquele que cada centavo conta, o valor seria uma verdadeira loteria.

Mas, como lembra Kardec, ao final de algum tempo, após a repartição destes valores já não haveria mais equilíbrio. Os caracteres e as aptidões [1] diferenciados levariam a empregos diversos dos recursos adquiridos, trazendo novamente a pobreza para alguns e a riqueza para outros.

Se ainda fosse concebida a possibilidade de que Deus permitisse ao homem o recebimento de valores necessários para toda uma vida, de onde tiraríamos o impulso para buscar novos empreendimentos e traçar uma linha de progresso? Sábio Supremo, de infinita bondade e justo, Deus permite a distribuição destes valores conforme a necessidade de progresso estabelecida para aquela encarnação.

Na pobreza, temos que suportar a prova da paciência e da resignação. Na riqueza, passamos pela prova da caridade e da abnegação. [1].

Errando e acertando, em cada vez que trajamos uma nova veste física, pelos imperativos da reencarnação, vamos acumulando créditos e débitos de valores morais, levando-nos à necessidade de novas experiências na carne. Se fizemos mau uso dos recursos, estamos propensos a aprendermos a valorizá-los em outra vida por meio da pobreza. Se suportamos as provas com a resignação e a prece, confiantes na Providência Divina, possivelmente, em uma próxima encarnação não contaremos com as provas da pobreza, a menos que haja um propósito nesta nova vida.

Entre pobres e ricos há diferenças pelos olhos da carne. Mas as verdadeiras diferenças residem pelos olhos do espírito, onde a luz adquirida no emprego da lei da caridade é a que irá mostrar a verdadeira posição de cada um.

Márcio Martins da Silva Costa

Referências Bibliográficas:
[1] A. Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, 131a. Brasília (DF): Federação Espírita Brasileira, 2013.
[2] “Worldometers,” Worldometers, 2021. https://www.worldometers.info/ (accessed Aug. 01, 2021).
[3] S. Reporter, “How much money is in the world?,” The Sun, 2020. https://www.thesun.co.uk/money/13497643/how-much-money-in-the-world/ (accessed Aug. 01, 2021).

Nota do editor:
Imagem ilustrativa e em destaque disponível em <https://qph.fs.quoracdn.net/main-qimg-74cc42e23e03d3718fac93f04a18a5b9.webp>. Acesso em: 01AGO2021.

Márcio Costa
Márcio Costa

Membro do Conselho Editorial da Agenda Espírita Brasil e colaborador do Centro Espírita Seara de Luz, em São José dos Campos - SP, atua na divulgação da Doutrina Espírita escrevendo textos e realizando palestras.

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