tudo o que você precisa é amor

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All You Need Is Love (?)

abril 18, 2023

Essas breves linhas surgem de uma inspiração profunda, ouvindo a música dos rapazes de Liverpool, All You Need Is Love , que surge incidentalmente no maravilhoso e distópico  filme “Yesterday – A Trilha do Sucesso”, de 2019, dirigido por Danny Boyle , sendo para mim uma obra prima recente, e que com linguagem poética mescla a complexidade e a simplicidade do mundo atual.

Essa super simplificação das coisas em um mundo tão complexo é que instigou essa reflexão. Assustados com o mundo tão complicado, e que sempre esteve lá, mas que se vê descoberto e assimilado, em especial pela tecnologia, em toda a sua estranheza, buscamos simplificar as coisas, apresentando a nós mesmo soluções e explicações elementares para questões intrincadas, que envolvem nuanças e aspectos ocultos.

Assim, ouvimos nas ruas e nas redes que a culpa é do comunismo. Ou do capitalismo. E ainda, que nos basta ter força de vontade, querer. Que tudo o que precisamos é de amor. Um desfile de soluções simples, pasteurizadas e superficiais para a vida e seus “Wicked Problems”, termo que designa tecnicamente no campo das políticas públicas problemas que tem muitos fatores interdependentes, tornando-os impossíveis de terem uma resolução rápida.

E a fé, aquela que o espiritismo se propõe com o adjetivo de raciocinada, pode ser um subterfúgio para essas simplificações, com seus mistérios inquestionáveis e porta-vozes monotônicos. Mas, temos nós, os espíritas, também nossos mantras reducionistas das questões do ser, do destino e da dor. É a falta de Deus, é combater o orgulho e o egoísmo, é o sofrimento que purifica pela lei do Karma.

Simplificar é uma forma de digerir problemas grandiosos, antigos e um tanto indigestos. Um artificio, uma estratégia de sobrevivência em um mundo que se apresenta tão confuso e desesperançoso. Mas, também é uma forma de  ignorar o que deve ser feito, com soluções fantasiosas e pouco efetivas frente ao que se poderia realmente fazer.

Chega-se assim ao tema central desse artigo. Uma simplificação que tem andado na moda entre os espíritas, diante dos acontecimentos desastrosos da vida cotidiana: a transição planetária. Uma ideia de que estamos passando de uma mundo de provas e expiações em direção a classificação de mundo de regeneração, trazida, bem verdade, e com as devidas vênias, por Kardec em “A Gênese”, quando fala da “Geração nova”, mas em um sentido bem diverso do que se vê hoje, considerando-se ainda que o texto kardequiano tem mais de 150 anos.

Mas a coisa se acentuou mais ainda com o frenesi apocalíptico que tomou conta do mundo nos anos 2000, com uma raiz no medo do flagelo nuclear da década de 1970 redesenhado, e com derivações de calendário maia, meteoros e outras coisas que fazem com que estejamos há duas décadas com esse papo de fim de mundo, em uma simplificação na visão de um mundo que muda em uma velocidade ciclópica.

E o espírita médio, imerso nesse caldo de promessas do fim que virá, reduz cada catástrofe, crime hediondo ou desastre que recebe pela imprensa e pelas redes sociais, ao mantra anestésico de que é a por conta da transição planetária. E volta aos seus afazeres domésticos, aplacada a sua consciência. Suprem-se assim debates, análises e soluções, que poderiam gerar ações, movimentos, no micro e no macrocosmo social, que resultariam em  melhorias no mundo real, o sentido profundo da palavra evolução.

A transição planetária não pode ser uma venda que reduza a capacidade de análise dos espíritas, um traço marcante desse grupo, e que nos tire, consequentemente, a capacidade de agir. A ideia de fim de mundo mexe com medos ancestrais, presente em várias culturas, inclusive no cristianismo, e traz em si uma esperança imobilizadora de que nos basta esperar os acontecimentos inexoráveis, fruto de um Deus decepcionado com a sua criação.

Jesus nos ensinou que o reino de Deus é uma construção cotidiana, e problemas sociais gritantes que batem a nossa porta pelas notícias são avisos de que algo precisa ser feito, por cada individuo ou grupo, dentro das suas possibilidades, buscando reduzir a chance daquele quadro não se repetir, e não jogar tudo no diagnóstico simplificador da transição planetária ou qualquer outro chavão popular.

John Lennon e Paul McCartney estavam cobertos de razão ao dizer que tudo o que precisamos é de amor. Jesus, aliás, também disse isso. Nós é que subestimamos o amor, entendido como algo simples, e superficial, mas que na verdade é uma força complexa e profunda, que move homens e mundos, sendo a verdadeira essência divina.

Marcus Vinicius de Azevedo Braga

Marcus Vinicius de Azevedo Braga
Marcus Vinicius de Azevedo Braga

Residindo atualmente na cidade do Rio de Janeiro, espírita desde 1990, atua no movimento espírita na evangelização infantil, sendo também expositor. É colaborador assíduo do jornal Correio Espírita (RJ) e da revista eletrônica O Consolador (Paraná). É autor do livro Alegria de Servir (2001), publicado pela Federação Espírita Brasileira (FEB) e do Livro "Você sabe quem viu Jesus nascer" (2013), editado pela Editora Virtual O Consolador.

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