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Sobre a destruição

agosto 19, 2024

Ariele era uma doçura de criança. Muito delicada, sempre alegre e feliz. Ainda não contava nem cinco anos, mas já deixava transparecer algumas de suas predileções na vida. Uma delas era a fascinação pela beleza das flores.

Sempre que podia, visitava o jardim de sua amada avó, a qual circundava uma imensa árvore frondosa no meio do quintal da matriarca. Para Ariele, a imagem era de uma imensa fonte de flores, uma vez que algumas orquídeas haviam se espalhado pelo tronco, verticalizando o jardim.

Muito zelosa, a avó de Ariele plantava vários tipos de flores que davam um colorido especial ao local. Lá poderiam ser encontradas calêndulas, petúnias, rosas, margaridas e azaleias. Ariele conhecia cada uma delas e, sempre que podia, acompanhava a progenitora. Juntas cuidavam dos arranjos com a pazinha, o ancinho, a tesoura e o regador.

Chegando aquele mês de julho, Ariele viajou em férias com os pais, ficando três semanas sem acompanhar as atividades da avozinha. Mas assim que retornou, foi correndo ver as novidades do jardim. Quais seriam as plantas que floriram? Quais seriam os novos arranjos. Quais seriam as novas espécies que a avó teria trazido? Eram tantas perguntas que ela não se continha.

Voltando à casa de sua avó, deu a mão a ela e foram animadas até o jardim. Com toda paciência com a neta, a avó deu uma volta na árvore contando o que tinha acontecido com cada uma das plantas. Algumas cresceram, outras floriram, novos botões surgiram, e havia ainda novas moradoras. Eram azaleias brancas, Flores de Maio, Gérberas, entre outras. Para Ariele tudo estava diferente e muito mais bonito ainda. Que alegria! Que beleza! Exclamava a menina muito feliz.

A avó voltou para os seus afazeres de casa e a menina continuou no jardim admirando novamente uma a uma. Mas de repente Ariele parou e ficou perplexa. Havia um vaso bem diferente no meio do jardim. Parecia um montão de conchinhas verdes com o que pareciam ser cílios grossos nas pontas. Algumas estavam abertas e exibiam o seu interior rosado. Pareciam mais com uma boquinha aberta.

Ariele ficou meio que curiosa e chegou mais perto para investigar. O que seria aquilo? A avó nem apresentou. Por quê?

Neste meio tempo, uma abelha visitante pousou no meio de umas delas. Para a menina, a cena seria a de sempre. A abelha iria chegar, pegar o néctar, se encher de pólen e voar de volta.

Mas desta vez foi diferente. De repente, aquela conchinha verde se fechou e prendeu a abelha em sua imensa boca dentada. O pobre inseto tentava escapar de um lado para outro, mas não conseguia. Ariele ficou agoniada. Quis ajudar, mas achou que iria ficar presa também. Começou a chorar e chamar a avozinha.

Buscando soluções, olhou em volta do vaso e ficou mais horrorizada ainda. Havia o restinho de outra abelha em uma daquelas conchinhas. Em outra conchinha, uma aranha morta. Em outra, um besouro.

Aí não aguentou. Saiu correndo e gritando para a avó que estava na cozinha fazendo café.

Aquilo era demais para o cenário florido, delicado e perfeito que Ariele havia criado em sua mente sobre os jardins da avó.

– O que aconteceu, Ariele? Alguma abelha te picou?

– Pior do que isso! Tem um monstro no jardim pronto para destruir tudo!

– A plantinha não está destruindo nada, minha neta. – disse a anciã. Fique bem. Coloquei aquele vasinho de Dioneia lá, pois enquanto ela se alimenta, acaba me ajudando a eliminar naturalmente algumas pequenas pragas que andaram aparecendo.

*     *     *

Sábias palavras da avó de Ariele, que na crônica nos traz a verdadeira interpretação que devemos ter da Lei da Destruição, que é o processo de transformação.

A Lei da Destruição é uma das leis que compõem as Leis Morais apresentadas didaticamente por Allan Kardec na parte terceira de O Livro dos Espíritos.

De todas as leis, esta é a única cujo nome não nos remete diretamente ao seu significado. Isto porque o termo destruição pode nos trazer a falsa ideia de eliminação, exterminação e morte.

De fato, a morte está presente. A abelha que pousa na planta carnívora e não consegue sair acaba tendo o seu corpo preso e deteriorado em dias por meio de processos químico-mecânicos. Mas o seu princípio inteligente não é destruído, o qual incorpora aquela experiência e continuará prosseguindo em marcha laboriosa para mais elevadas aquisições [1].

Assim também ocorre conosco. Nosso corpo é apenas um involucro, uma roupagem ao espírito que o ajuda a transitar pela escola das experiências materiais. Assim, por meio do esquecimento do passado, da vivência da alma e das impressões retidas via corpo físico, o espírito se livra gradativamente de suas imperfeições e avança, seguindo a Lei do Progresso [2].

A crônica também elucida outro ponto relevante da Lei da Destruição – o do equilíbrio. O corpo físico mais denso exige alimento equivalente para manter a sua organização fisioquímica, seguindo os imperativos da Lei de Conservação. Desta feita, seres vivos buscam, pelos processos do instinto de sobrevivência e da inteligência, os seus recursos de sobrevivência em outros seres. Isto leva a destruição do envoltório físico destes, mas nunca de seus princípios inteligentes.

Sem muitas vezes se darem conta, seres tornam-se instrumentos dos quais Deus faz uso para manter o equilíbrio das espécies e manter os mecanismos atinentes à Lei de Reprodução.

Logo, tudo se encaixa sabiamente nas Leis de Deus.

E no contexto do instinto e da inteligência, o instinto que leva à caça e à fuga permite o exercício do princípio inteligente que evolui a cada experiência. Mas quando isto excede o limite da sobrevivência, adentrando na seara do prazer em destruir, suportado pelo mau uso da inteligência, criam-se débitos que deverão ser resgatados.

Pela sequência contínua das atividades de sobrevivência, o espírito ganha conhecimento e experiência e, a cada encarnação, vai se desvencilhando da animalidade.

Mais inteligente, o ser humano vai evoluindo na aquisição de conteúdo moral, levando a futuras encarnações onde o corpo físico vai se tornando mais fluídico e sem a necessidade de realizar “espetáculos” de destruição da vida como ainda vemos em nosso plano encarnatório [3].

Destruir, se necessário, sim. Mas sempre com o foco na transformação e sustentados pelos impositivos da Lei de Justiça, de Amor e de Caridade

Márcio Martins da Silva Costa

Referência:
[1]    Pelo Espírito André Luiz, Evolução em Dois Mundos, 27. ed. Brasília (DF): Federação Espírita Brasileira, 1958;
[2]    A. Kardec, O Livro dos Espíritos, 93a. Brasília (DF): Federação Espírita Brasileira, 2013; e
[3]    A. Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, 131a. Brasília (DF): Federação Espírita Brasileira, 2013.

Nota do Editor:
Publicado originalmente na Revista Candeia Espírita, nº 35, de agosto de 2024.

Márcio Costa
Márcio Costa

Membro do Conselho Editorial da Agenda Espírita Brasil, atua na divulgação da Doutrina Espírita escrevendo textos e realizando palestras.

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