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Sobre o trabalho

junho 15, 2024

Antônio era um daqueles exemplos de trabalhador.

Às quatro da manhã daquela década de oitenta já estava de pé tomando a sua gemada e colocando a roupa da labuta. Minutos depois, cruzava o quintal de sua casa, abria o trinco do portão de arame e madeira e saía rua adentro ainda no alvorecer.

Após média caminhada, chegava pontualmente às cinco no ponto, ainda em tempo de ver ao longe a poeira da estrada de terra subindo na entrada do bairro pela chegada do ônibus antigo, amarelo e cansado que fazia a primeira viagem do dia.

Concluída a viagem de meia hora, subia as escadas da estação de trem, cruzava a roleta e adentrava a plataforma, onde a cada minuto aglomeravam-se outros Antônios e Antônias ao seu lado.

Outra espera, mais alguns minutos e, finalmente, surgia lá no final da visão dos trilhos os primeiros vagões do trem avançando rápido. Afastando-se da linha amarela no chão, não tardava a sentir a força da chegada das composições a empurrar o vento e a poeira em seus olhos.

 Entrar no trem não era fácil. Todos os dias lotado. Mas sempre dava um jeito de se apoiar em pé, fosse segurando nas barras de metal ou simplesmente permanecendo espremido no meio da multidão. De uma forma ou de outra, também arranjava uma maneira de colocar o radinho de pilha próximo ao ouvido para escutar as primeiras notícias do dia.

Vez em outra, um vendedor de balas ou um pedinte passava entre a multidão, comprimindo todo mundo. Mesmo assim, não desanimava e mantinha no rosto uma aparência alegre de força e motivação.

Somente depois de cinquenta minutos de aperto, o trem começava a aliviar a sua lotação ao chegar às primeiras estações da cidade grande, sendo uma delas o destino de Antônio.

O relógio já contava sete e meia da manhã, mas ainda dava tempo de, com o sorriso carismático de sempre, tomar um pequeno café de menos de um cruzeiro, vendido por um ambulante próximo ao seu trabalho.

Dalí até às dezessete horas passava o dia sorridente, atuando como balconista de uma loja de tecidos. E em meio à concorrência pelas comissões de venda, sempre ficava para trás por gastar mais tempo preocupado em atender bem e deixar as pessoas felizes do que vender e despachar clientes.

Final do dia, era hora do caminho inverso. Tudo de novo!

A única diferença é que enquanto na ida havia filas organizadas; na volta, muitos cansados não tinham paciência para as filas e acabavam avançando nas portas dos ônibus, causando muito tumulto no embarque.

Mas em meio àquela agitação, Antônio ainda tinha forças para se motivar e até sorrir das circunstâncias.

Chegando em casa sem quase nada ganhar, satisfazia-se com a sua habitual refeição simples tipo um arroz sem alho, um feijão magro, uma linguiça de teto de bar na panela e a farinha crua. 

No final de semana fazia seus biscates, cavando poços de água, capinando terrenos, entre outros.

Certa feita um amigo lhe perguntou:

– “Antônio, você não para. Sempre trabalhando muito para muito pouco ganhar. E ainda está sempre feliz. Pode me explicar como consegue?”

– “Enquanto eu estiver trabalhando e fazendo gente sorrir, eu estou vivo, Graças a Deus!” 

*     *     *

A Lei do Trabalho é uma das Leis Morais que contêm as regras da vida do corpo, bem como as da vida da alma. [1, No. 617]

Em função de sua condição ainda corpórea, o ser humano e os animais precisam cuidar de sua conservação e existência, daí a necessidade do trabalho para alcançarem o provimento que lhe é necessário.

Diferente dos animais, todavia, para o ser humano o trabalho ainda constitui expiação e um meio de aprendizagem necessário ao desenvolvimento de sua inteligência e de seu progresso.

Mas o que se deve entender por trabalho? 

Toda ocupação útil é considerada trabalho. Isto implica em dizer que o trabalho não se limita às questões materiais; mas também, ao emprego das oportunidades, seja encarnado ou não, de aperfeiçoar a própria inteligência ou as dos outros, sendo útil ao seu semelhante e fazendo a caridade.

Neste contexto, chegamos ao que seria o trabalho do espírito. Mesmo desencarnados e longe das necessidades da roupagem física, o espírito pode se ocupar de atividades úteis, tornando-se executores dos desígnios do Criador, o que irá lhes trazer a felicidade por contribuírem com a obra Divina.

Certamente há aqueles cuja limitação física ou o próprio avanço da idade pode impor restrições à realização de trabalhos. A estes devem ser depositados os esforços da caridade daqueles que dispõem de condições ativas para prover amparo e acolhimento.

Mesmo assim, esses não estão isentos da Lei do Trabalho. Se as capacidades físicas impedirem quaisquer ações; há ainda a possibilidade de serem úteis por meio das faculdades espirituais disponíveis, empregando os mecanismos da prece e manipulando a matéria mental que lhe é peculiar em favor daqueles que precisam.

Da mesma forma como Antônio, devemos sempre dar graças ao Amado Pai pela oportunidade do trabalho e de ser útil. 

Se a situação nos pesa e o trabalho constitui uma expiação, possivelmente isso seja o reflexo de um passado no qual não demos o devido valor aos recursos que nos foram destinados; talvez reflita o mau uso que fizemos de nossa posição de autoridade, a qual nos cobra hoje as mesmas condições que impusemos aos subordinados; ou ainda, algo que desejamos em nosso planejamento reencarnatório como ferramenta necessária ao nosso aprimoramento.

Se o trabalho físico não nos bate à porta em função da riqueza material, que aproveitemos o ensejo para empregar tais recursos em ações no bem, provendo aos que necessitam o instrumental de progresso, seja pelo trabalho, pela educação, ou por outra atividade se qualifique na seara da caridade.

O que não pode nos faltar no rosto e no espírito é o sorriso de Antônio, a alegria de servir e a motivação para ser útil, praticar o bem, a caridade e o amor, independente das intempéries da experiência carnal neste plano terrestre.  

Márcio Martins da Silva Costa

Referência:
[1] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, 93a. Brasília (DF): Federação Espírita Brasileira, 2013.

Márcio Costa
Márcio Costa

Membro do Conselho Editorial da Agenda Espírita Brasil e colaborador do Centro Espírita Seara de Luz, em São José dos Campos - SP, atua na divulgação da Doutrina Espírita escrevendo textos e realizando palestras.

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